Trump x Fed: como a pressão sobre Lisa Cook pode impactar a economia dos EUA? E do Brasil?


Trump diz que há pessoas ‘muito boas’ para substituir Lisa Cook no Fed
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez seu ataque mais direto ao Federal Reserve (Fed), o banco central do país, nesta segunda-feira (25), ao tentar afastar a economista Lisa Cook do cargo de diretora da instituição.
Nenhum presidente tem autoridade para removê-la, pois só é permitido destituir um dirigente do Fed por “justa causa”. A tentativa, portanto, levantou questões sobre o futuro e a independência do banco central americano, instituição fundamental para a maior economia do mundo.
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Num primeiro momento, a medida não provocou grandes reações no mercado financeiro, já que investidores duvidam que Trump consiga remover Lisa Cook do cargo. Ainda assim, permanecem mais dúvidas que certezas.
A acusação contra Lisa Cook justifica sua saída? Se Trump alcançar maioria no conselho de diretores, até onde poderá ir sua influência sobre o banco central? E por que os mercados têm reagido de forma tão tímida diante de riscos tão significativos?
O g1 ouviu especialistas para responder a essas e outras questões e explicar de que forma o caso pode impactar o Fed e gerar reflexos em todo o mundo, inclusive no Brasil.
O que Trump pretende com o caso Lisa Cook?
A acusação contra Lisa Cook justifica sua demissão do Fed?
O que acontece se Trump conquistar maioria no Fed?
Por que os mercados não têm reagido ao ataque de Trump?
Como fica o Brasil nessa história?
O que Trump pretende com o caso Lisa Cook?
Na avaliação de analistas, esse episódio não é um caso isolado — e dificilmente será o último. A iniciativa faz parte da estratégia econômica de Trump, que busca assegurar maioria no conselho do Fed e, com isso, ganhar influência sobre a política de juros nos EUA.
🔎 Os juros são uma das principais ferramentas utilizada pelos bancos centrais para estimular ou frear a economia. Desde o início de seu mandato, Trump critica o Fed para que os juros sejam reduzidos — o que ajudaria a acelerar a atividade econômica, mas colocaria em risco o controle da inflação.
Leonel Mattos, analista de inteligência de mercado da StoneX, lembra que a acusação de fraude imobiliária contra Lisa Cook partiu de William Pulte, chefe da Agência Nacional de Financiamento de Habitação dos EUA.
Trata-se do mesmo personagem que formatou o argumento de pressão ao presidente do Fed, Jerome Powell, devido às reformas no prédio da instituição. Trump sugeriu que Powell promoveu um superfaturamento das obras, o que seria um argumento para demiti-lo também.
“Pulte já apresentou acusações semelhantes contra adversários políticos de Trump, como o senador Adam Schiff, que conduziu o primeiro processo de impeachment do republicano, e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, responsável por processá-lo por fraude empresarial. Isso reforça o caráter político da interferência.”
O economista Maykon Douglas avalia que mais essa tentativa de intervenção de Trump no Federal Reserve vai além da esfera econômica e reflete uma percepção crescente de enfraquecimento das instituições americanas.
“Quando as arbitrariedades de um único ator político atingem universidades, institutos de pesquisa, regras eleitorais e até a autoridade monetária, em um país onde a estabilidade político-econômica é tradição e símbolo de seu ‘excepcionalismo’, isso representa um claro sinal de disfuncionalidade”, afirma.
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Foto de arquivo: O presidente dos EUA, Donald Trump, observa Jerome Powell, seu indicado para presidir o Federal Reserve (Fed), durante discurso na Casa Branca, em Washington, EUA, em 2 de novembro de 2017.
REUTERS/Carlos Barria/Foto de arquivo
A acusação contra Lisa Cook justifica sua demissão do Fed?
Para sustentar a demissão de Lisa Cook, Trump recorreu a uma brecha na Lei do Federal Reserve, de 1913. O texto estabelece que “cada membro permanecerá no cargo por 14 anos a partir do fim do mandato de seu antecessor, salvo destituição por justa causa pelo presidente.”
O presidente dos EUA, então, associou uma acusação de fraude hipotecária — apresentada inicialmente em carta pública por Pulte — como a justa causa necessária para afastar a diretora do Fed. O documento foi classificado como uma “referência criminal” e levou a instituição a solicitar investigação ao Departamento de Justiça.
Especialistas ouvidos pela Reuters destacam, porém, que a destituição “por justa causa” geralmente se aplica a situações de má conduta, incompetência ou irregularidades. Nesse contexto, a acusação de fraude hipotecária não teria relação direta com esses fundamentos.
Peter Conti-Brown, especialista em história do Fed pela Universidade da Pensilvânia, lembra que as transações mencionadas por Trump ocorreram antes da nomeação de Cook para o banco central e já haviam sido divulgadas durante sua sabatina e confirmação no Senado.
Embora a lei não seja explícita, sua interpretação é de que ela se refere à conduta durante o exercício da função, e não a atos anteriores à nomeação ou a aspectos da vida pessoal sem ligação com o cargo.
“A ideia de retroceder no tempo e considerar que eventos anteriores à nomeação constituem motivos para demissão do cargo oficial é, na minha visão, incompatível com o conceito de remoção ‘por justa causa’”, diz Conti-Brown.
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O que acontece se Trump conquistar maioria no Fed?
Maykon Douglas reforça que a autonomia técnica de qualquer banco central é indispensável quando um país possui metas de inflação. Quando há suspeita de que as decisões passaram a sofrere intereferência, a confiança no BC derrete.
“Os riscos de interferência política afetam a credibilidade da política monetária e ‘contaminam’ as expectativas dos agentes econômicos, que passam a confiar menos no compromisso da autoridade monetária para cumprir seu mandato de estabilidade dos preços”, diz o economista.
Esse fator institucional ajuda a explicar o enfraquecimento global do dólar e o aumento das taxas de juros longas. (🔎 Juros longos são as taxas de empréstimos ou títulos que valem para prazos de 10, 20 ou 30 anos, indicando quanto custa pegar dinheiro emprestado no longo prazo)
Na prática, funciona assim:
Se a inflação aumenta, é necessário subir os juros para conter os preços;
Se o Fed perde independência, os investidores desacreditam que o BC fará seu trabalho;
Se o risco é mais alto, o mercado exige juros mais altos como forma de se precaver.
Em relatório, os analistas Luiza Paparounis e Francisco Lopes, do BTG Pactual, afirmam que o episódio amplia a recente onda de incertezas institucionais nos EUA, intensificando os temores sobre o enfraquecimento da independência do Fed.
“Se obtiver sucesso, Trump poderá indicar um substituto alinhado às suas visões, ainda sujeito à confirmação pelo Senado, hoje controlado por maioria republicana.”
Os analistas também apontam que, se o banco central não agir de forma independente, isso pode aumentar a desconfiança de investidores e empresas sobre a capacidade dos EUA de manter a inflação sob controle.
Isso pode fazer com que empréstimos e financiamentos fiquem mais caros, além de desvalorizar o dólar frente a outras moedas.
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Por que os mercados não têm reagido ao ataque de Trump?
Para William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, as decisões de Donald Trump em relação ao Fed podem pressionar o Banco Central americano, mas o impacto sobre a credibilidade da instituição pode não ser tão direto ou severo quanto se poderia imaginar.
O estrategista da Avenue também lembra que, historicamente, as decisões do Federal Reserve têm sido independentes: “O ataque do Trump, na verdade, é só a opinião dele sobre os juros. Ele pode falar o que quiser, mas o presidente do Fed não deve se guiar por isso. Até então, os dirigentes do Fed têm tomado decisões completamente independentes.”
“Riscos institucionais existem em qualquer lugar do mundo: a Europa passou pelo Brexit, a Grécia em default [dívida] —, então os problemas institucionais americanos, embora relevantes, não são necessariamente mais graves que em outros países.”
Para Leonel Mattos, duas hipóteses podem explicar a reação “atípica” do mercado, embora ele frise que não há uma explicação conclusiva até o momento:
Investidores acreditam que Trump não terá sucesso no ataque ao Fed: por isso, minimizam o impacto do episódio e enxergam a situação como um “impasse político” que será resolvido em favor da instituição;
Investidores gostariam de ver uma interferência política no Fed: com mais dirigentes alinhados ao Partido Republicano e a Trump, acreditam que isso poderia ser “bom e benéfico para o ambiente de negócios”.
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Como fica o Brasil nessa história?
Ainda que a interferência de Trump no Fed tenha sido limitada, a perda de credibilidade na economia dos EUA já tem afastado parte dos investidores dos mercados americanos. O dólar e o rendimento dos títulos do Tesouro americano (as Treasuries) dão mostra da situação.
🔎 O índice DXY, que mede o desempenho do dólar contra moedas de países desenvolvidos, recuou 10,2% neste ano. Em relação ao real, a desvalorização é de 12,07% no ano.
As Treasuries de 10 anos, um dos principais títulos do Tesouro americano, teve queda de 7,13% em 2024. Mas, em 12 meses, já tem alta de 10,63%.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, explica que esse enfraquecimento do dólar pode beneficiar as moedas emergentes, commodities e ações.
“Isso já está acontecendo, não é à toa que o real está abaixo de R$ 5,50. Se o dólar estivesse forte, dificilmente veríamos essa valorização”, afirma o estrategista da Avenue.
Mas há quem possa se beneficiar desse cenário. Quando o dólar se desvaloriza, seja frente a outras moedas (DXY) ou ao real, o custo de importação de produtos e insumos no Brasil tende a cair.
Isso contribui para que os preços dentro do país subam menos, ajudando a manter a inflação sob controle. Dessa forma, o Banco Central ganha espaço para reduzir os juros — atualmente, a taxa Selic está em 15% ao ano, sem previsão de cortes.
Vale dizer que juros mais baixos estimulam o consumo e os investimentos, o que tende a impulsionar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
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Donald Trump na Casa Branca
AP Photo/Evan Vucci

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