‘Trabalhei sete dias seguidos e até de madrugada’, diz demitido do Itaú em home office

Marcos (nome fictício) trabalhou quase dez anos no Itaú na área de tecnologia. Foi promovido e premiado por desempenho. Ainda assim, foi demitido nesta semana sob a acusação de baixa produtividade no home office.
Quando a notícia chegou, não era exatamente inesperada.
Ele havia acabado de saber que um colega tinha sido desligado. Pouco depois, seu coordenador perguntou quando ele iria ao escritório — Marcos trabalhava em regime híbrido e só ia ao local ocasionalmente. Ao chegar, foi levado a uma sala diferente da habitual, onde soube da demissão.
Ele pediu que a BBC News Brasil preservasse seu nome verdadeiro, pois está em busca de novo emprego.
O motivo oficial alegado por seu supervisor foi “baixa produtividade no home office, atrelada ao tempo de tela.”
“Já trabalhei em final de semana, mais de sete dias seguidos. Isso nos últimos seis meses. Mesmo assim, foi alegado que eu tinha baixa produtividade.”
Marcos estava na lista de cortes que o banco promoveu no início desta semana e que mobilizou o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. O Itaú não divulga o número total, mas o sindicato fala em pelo menos 1 mil desligamentos.
O motivo das demissões seria um problema de produtividade — com funcionários em home office trabalhando menos horas efetivas do que o registrado na plataforma de trabalho da empresa.
“Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”, afirma a nota do Itaú a veículos de imprensa.
Mas como o Itaú media essa produtividade dos trabalhadores remotos?
A empresa considera o uso de mouse ou teclado, de softwares licenciados, se entrou em chamadas de vídeo, enviou mensagens, fez cursos à distância, dentre outras métricas.
Há exceções para esse controle: segundo a empresa, a política de monitoramento não permite capturar telas, áudios ou vídeos.
O Itaú disse que esse modelo híbrido, adotado desde 2022, dá mais autonomia aos funcionários. Mas também demanda um controle da jornada.
O banco afirma que esse controle estava previsto em políticas internas assinadas pelos colaboradores e em acordo com os sindicatos.
Mas Marcos diz que nunca ficou claro como esse monitoramento era feito.
“A gente suspeitava, porque tem um monte de monitoramentos nos nossos computadores. Mas não sabíamos que monitoravam cliques, alt tab, scroll, tempo em reunião, coisas assim”, disse.
“Várias vezes almocei na frente do computador porque não podia parar naquele momento, depois tirei minha pausa do almoço mais tarde. Mesmo assim, isso não foi visto.”
O banco diz ter identificado uma minoria de trabalhadores com baixos níveis de atividade digital e que isso seria um comportamento padrão, não uma situação pontual. Algumas pessoas teriam trabalhado só em 20% do tempo, de forma sistemática.
Marcos reclama de não ter tido a oportunidade de provar que trabalhou em tempo integral, sem pausas.
“Eu não posso nem provar, pois não vi qual era minha porcentagem (de tempo trabalhado). Ouvi falar que era 80% fora da máquina. Eu sei que nunca fiquei trabalhando apenas duas horas e depois fiquei em outro lugar. Sempre fiz minhas oito horas. Não vimos a plataforma, não sabemos como é. Então só ficamos na suspeita e querendo saber por quê. Por que essas pessoas foram escolhidas, como foram escolhidas?”
Segundo ele, os cortes foram feitos de forma abrupta, sem diálogo prévio. “Não teve feedback. Não foi nada avisado, conversado. Rodou um facão e quem estava com a perna embaixo foi cortado”, afirmou.
“É preocupante. Chega um momento em que percebemos que nos dão o home office como benefício, mas no final eles encontram uma desculpa que não faz sentido. Meu coordenador falou que eu era produtivo e que ele não tinha planos de fazer isso.”
Marcos diz que não pensa em processar a empresa e que já está em busca de novos empregos. “Sabemos que isso queima um pouco no mercado. Sou jovem e acho que isso não vale a pena.”
Faltou transparência nos motivos que levaram às demissões no Itaú?
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região questionou o Itaú sobre a falta de transparência nas medidas adotadas. E alega que o número de desligamentos é excessivo, desproporcional e injustificável.
A organização diz ainda que “não é razoável usar mecanismos de monitoramento e vigilância para justificar cortes em massa. É preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital, pois esse tipo de prática pode gerar pressão excessiva, afetar a saúde mental e criar um ambiente de trabalho opressivo”.
Para o advogado especialista em direito de trabalho e professor da FGV Direito Rio Paulo Renato Fernandes da Silva, é direito do empregador fiscalizar os empregados.
“Se o empregado trabalha em casa, dentro da empresa ou dentro de um cliente, em tese, a empresa continua com poder de fiscalizar.”
Ele ressalta, no entanto, que é recomendável que os contratos tratem de como será feito esse monitoramento.
“É muito importante que os contratos criem, por exemplo, cláusulas que expliquem que há algum tipo de controle. É o recomendável. A forma de controle, em tese, deve ser combinada com o trabalhador. Para que ele possa corresponder àquela situação. É uma espécie de dever de boa fé, de lealdade, transparência, deveres inerentes ao contrato de emprego.”
Ele lembra que a legislação brasileira prevê que o empregado pode ser desligado a qualquer momento, sem a necessidade de comunicar o motivo. Mas que há boas práticas adotadas por empresas, como dar mais prazo ao funcionário, conversar previamente com o trabalhador, oferecer cursos de capacitação, dentre outras opções.
O que disse o banco sobre as demissões?
O Itaú confirmou os desligamentos em uma nota e disse que eles são “decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada.”
Disse ainda que “em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco” e que “essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade.”
Destacou também que o monitoramento de atividades digitais tem respaldo em diversas políticas internas e assinadas por seus colaboradores não apenas em seus contratos de trabalho, como também na retirada de equipamentos corporativos, entre outros termos.
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