Entenda por que, na Argentina, jornal e DVD contam mais que streaming na inflação
A inflação na Argentina foi de 2,3% em outubro, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado nesta quarta-feira (12) pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). O resultado veio ligeiramente acima da expectativa de economistas.
O dado representa uma aceleração em relação aos 2,1% registrados em setembro. Já o índice acumulado em 12 meses até outubro ficou em 31,3%, abaixo dos 31,8% registrados no mês anterior. Segundo o ministro da Economia, Luís Caputo, trata-se da menor taxa anual desde julho de 2018.
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Os setores de maior alta em outubro foram o de transporte (3,5%) e o de habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis (2,8%). Na sequência, vieram bens e serviços diversos (2,4%), roupas e calçados (2,4%) e bebidas alcoólicas e tabaco (2,4%).
Os dados do Indec mostram que o índice oficial de preços da Argentina apresentou progresso ao longo do primeiro ano de gestão do presidente ultraliberal Javier Milei. Em 2025, no entanto, a taxa mensal estagnou entre 2% e 3%, ficando apenas algumas divulgações abaixo de 2%.
O país passa por um forte ajuste econômico sob o comando de Milei. Nos últimos meses, uma crise política afetou as expectativas, e o líder argentino buscou o apoio de Donald Trump, nos Estados Unidos, para conter a instabilidade nos mercados e no câmbio. (leia mais abaixo)
Ajuste econômico e impacto nos preços
A Argentina, que já vinha enfrentando uma forte recessão, passa por uma ampla reforma econômica. Após tomar posse, em dezembro de 2023, Milei decidiu paralisar obras federais e interromper o repasse de dinheiro para os estados.
Foram retirados subsídios às tarifas de água, gás, luz, transporte público e serviços essenciais. Com isso, houve um aumento expressivo nos preços ao consumidor.
O país também observou uma intensificação da pobreza no primeiro semestre de 2024, com 52,9% da população nessa situação. Já no primeiro semestre de 2025, o percentual caiu para 31%.
Por outro lado, o presidente conseguiu uma sequência de superávits (arrecadação maior do que gastos) e retomada da confiança dos investidores.
Crise política
Nos últimos meses, no entanto, Milei tem enfrentado uma forte crise política após um suposto escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei, secretária-geral da Presidência e irmã do presidente.
Um áudio gravado por um ex-aliado de Javier Milei, no qual Karina é acusada de corrupção, vazou para a imprensa e está sendo investigado pela Justiça. Leia mais aqui.
Em meio à crise, Javier Milei sofreu uma dura derrota, em setembro, nas eleições da província de Buenos Aires — a mais importante da Argentina, que concentra quase 40% do eleitorado nacional.
Os reflexos foram sentidos no mercado: os títulos públicos, as ações das empresas e o peso argentino despencaram um dia após o pleito.
Com o resultado, a moeda argentina atingiu seu menor valor histórico até então, cotada a 1.423 por dólar. Conforme mostrou o g1, o peso derreteu mais de 27% frente ao dólar em 2025, liderando as perdas no ano. O cenário é bastante prejudicial para a inflação.
Apoio de Trump e vitória nas eleições legislativas
O pessimismo no mercado surgiu após investidores demonstrarem preocupação de que o governo de Javier Milei não conseguiria avançar com sua agenda de cortes de gastos e reestruturação das contas públicas na Argentina.
A partir de então, ocorreram sucessivas quedas do peso em relação ao dólar, levando o Banco Central da Argentina a retomar intervenções no câmbio para controlar a disparada da moeda norte-americana (leia mais abaixo).
A volatilidade só começou a ceder depois que o governo dos EUA anunciou apoio à Argentina. Em 20 de outubro, os países oficializaram um acordo de swap cambial de US$ 20 bilhões. Além disso, foi prometido outro incentivo do mesmo valor, elevando o socorro financeiro para US$ 40 bilhões.
Na prática, as medidas aumentam o volume de dólares nas reservas argentinas e buscam recuperar a confiança dos investidores.
Após a confirmação do apoio financeiro pelo governo de Donald Trump, Javier Milei obteve, em 26 de outubro, uma vitória importante nas eleições para a Câmara dos Deputados e o Senado, o que ajudou a conter a disparada do dólar — e pode garantir a continuidade das reformas do atual governo.
Milei anunciou pacote de medidas para tentar aumentar a circulação de dólares na economia argentina
Agustin Marcarian/Reuters
Acordo com o FMI
No início do governo Milei, a melhora nos indicadores econômicos fez com que o líder alcançasse, em 11 abril, um acordo de US$ 20 bilhões em empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A primeira parcela, de US$ 12 bilhões, foi disponibilizada ao país poucos dias depois.
O repasse dos recursos representa um voto de confiança do fundo internacional no programa econômico do presidente argentino. Os valores anunciados se somam a dívidas antigas do país junto ao FMI, que já superavam os US$ 40 bilhões.
Nesse cenário, reduzir a inflação é fundamental para o governo do líder argentino, que deseja eliminar completamente os controles de capitais que prejudicam os negócios e os investimentos. Para isso, Milei quer que a inflação permaneça abaixo de 2% ao mês.
Logo após o acordo com o FMI, o banco central da Argentina anunciou uma redução dos controles cambiais, o chamado “cepo”. A flexibilização determinou o fim da paridade fixa para o peso argentino e introduziu o “câmbio flutuante” — quando o valor da moeda é determinado pela oferta e demanda do mercado.
Com isso, o governo de Javier Milei passou a ensaiar o fim do sistema de restrição cambial que estava em vigor desde 2019, limitando a compra de dólares e outras moedas estrangeiras pelos argentinos. A deterioração recente nos mercados, porém, fez o país voltar a intervir no câmbio. (leia abaixo)
Medidas econômicas
Nos últimos meses, o governo e o Banco Central da Argentina lançaram medidas de naturezas monetária, fiscal e cambial para injetar dólar no país, com o objetivo de fortalecer o cumprimento do acordo com o FMI para a recuperação econômica.
Em 22 de maio, o governo também anunciou sua decisão de permitir que os cidadãos utilizem dólares mantidos fora do sistema financeiro — ou seja, guardados “debaixo do colchão” — sem a obrigatoriedade de declarar a origem dos recursos.
Em 10 de junho, lançou medidas como a flexibilização no uso de pesos e dólares no mercado de títulos públicos e um plano de captação de empréstimo de US$ 2 bilhões com emissões de títulos. Além disso, se comprometeu a reduzir a emissão de moeda pelo BC.
Já na semana anterior às eleições de Buenos Aires — e em meio à forte queda do peso frente ao dólar —, o governo de Milei anunciou sua intervenção no mercado de câmbio.
O secretário de Finanças, Pablo Quirno, afirmou em 2 de setembro que o Tesouro Nacional atuaria diretamente na compra e venda de dólares para garantir oferta suficiente e evitar desvalorizações abruptas.
O objetivo do governo é estabilizar a inflação, reforçar as reservas comerciais, melhorar o câmbio e atrair investimentos, enquanto avança no rigoroso ajuste econômico promovido por Milei.

