CDBs a juros irreais e carteiras de crédito falsas: entenda o que está por trás da liquidação do Banco Master

Banco Central decreta liquidação do Banco Master
A decisão do Banco Central (BC) de liquidar o Banco Master e a prisão de Daniel Vorcaro, dono da instituição, representam o capítulo final de uma série de polêmicas que já envolviam o banco.
A instituição já operava sob risco de falência por causa do alto custo de captação e da exposição a investimentos considerados arriscados, com juros muito acima do padrão de mercado.
Tentativas de venda, como a proposta do Banco de Brasília (BRB), não avançaram. Todas foram interrompidas por questionamentos de órgãos de controle, falta de transparência, pressões políticas e menções ao Master em investigações.
O g1 explica a polêmica envolvendo o banco e os fatores que levaram ao pedido de liquidação nesta terça-feira, além da prisão de investigados por fraude ao sistema financeiro.
Breve história do Banco Master
O Banco Master surgiu em 1974, inicialmente como Máxima Corretora de Valores e Títulos Mobiliários. Ao longo das décadas, a empresa passou por expansões e alterações societárias até se tornar o conglomerado financeiro conhecido atualmente como Banco Master.
Nos anos 2000 e 2010, o grupo expandiu sua atuação para áreas como crédito, investimentos, gestão de recursos e outras operações. Nos anos mais recentes, ganhou destaque ao oferecer produtos com rendimentos muito acima do mercado, atraindo milhares de investidores.
A partir de 2022, começaram a surgir dúvidas sobre a saúde financeira do banco, diante da captação cara, da exposição a ativos de risco e das negociações de venda que não avançavam.
Tentativas frustradas de venda e deterioração financeira
O Banco Master voltou ao centro das atenções em março, quando avançou nas negociações para vender 58% do capital ao Banco de Brasília (BRB) por cerca de R$ 2 bilhões.
A operação, que formaria um conglomerado com cerca de R$ 100 bilhões em ativos, passou a ser monitorada por órgãos de controle, como o Ministério Público do Distrito Federal e o Ministério Público de Contas, que pediram esclarecimentos sobre as condições da compra.
O processo se arrastou enquanto o Master enfrentava dificuldades de caixa. Em maio, o banco obteve uma linha de crédito emergencial de R$ 4 bilhões do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), renovada duas vezes. Ao mesmo tempo, buscava compradores para o Will Bank, seu braço digital.
Na véspera da liquidação, a instituição recebeu outra oferta: a holding Fictor e um consórcio de investidores dos Emirados Árabes Unidos propuseram um aporte imediato de R$ 3 bilhões e a compra das ações do fundador Daniel Vorcaro, excluindo o Will Bank e o Master Investimentos.
Com a liquidação decretada pelo Banco Central, a proposta perdeu validade.
CDBs a juros impossíveis
O sinal de alerta no mercado ficou mais evidente quando o banco passou a oferecer produtos financeiros com remunerações muito acima do padrão. O principal deles eram os CDBs emitidos pela instituição.
🔎 O Certificado de Depósito Bancário (CDB) é um investimento de renda fixa em que o investidor empresta dinheiro ao banco e recebe juros em troca. Essa remuneração pode ser pré-fixada (definida no momento da aplicação) ou pós-fixada (atrelada a indicadores como o CDI).
Segundo o planejador financeiro e especialista em investimentos Jeff Patzlaff, o problema não era o CDB em si, mas o que justificava taxas tão elevadas.
“No mercado financeiro, bancos saudáveis conseguem captar dinheiro barato, pagando algo entre 100% e 105% do CDI. Quando você via o Banco Master oferecendo 130%, 150% ou até 180% do CDI, isso não era generosidade — era um pedido de socorro”, diz o planejador.
Segundo o especialista, esse movimento foi uma tentativa de captar dinheiro rapidamente após o banco perder acesso a crédito barato de grandes instituições financeiras. Esses investidores já haviam interrompido os repasses porque os números do Master não fechavam havia algum tempo.
Sem acesso a crédito barato, o banco recorreu ao investidor pessoa física, oferecendo taxas “irresistíveis” para captar recursos rapidamente e tentar cobrir rombos operacionais.
O risco também estava na qualidade dos ativos utilizados pelo banco: “Para pagar 150% do CDI, o banco precisaria emprestar a 200% ou 300% para ter lucro. Isso só é possível quando você empresta para quem ninguém mais quer, como projetos duvidosos ou precatórios judiciais incertos.”
“As investigações indicam que o banco mantinha ativos ruins registrados como se fossem de boa qualidade e utilizava o dinheiro de novos investidores — captado por meio de CDBs com juros elevados — para pagar investidores antigos e manter a operação funcionando. Era uma dinâmica insustentável a longo prazo sem uma injeção real de capital, que nunca veio”, afirma Patzlaff.
Após o Banco Central vetar a compra do Banco Master pelo BRB, o mercado passou a desconfiar (ainda mais) da situação do banco. Isso levou muitos investidores a tentar vender, no mercado secundário, seus CDBs do Master para evitar ficar “presos” ao título até o vencimento.
Com a corrida por vendas, quase não havia compradores. Para atrair interessados, as taxas dos CDBs precisaram subir muito — chegando a 177% do CDI, ante os cerca de 120% praticados antes da crise.
O banco já vinha pagando taxas muito altas para captar recursos, e decisões ruins sobre o uso desse dinheiro deixaram a instituição perto do calote e da falência.
Quando os clientes tentaram se desfazer dos títulos, muitos não conseguiram vendê-los ou tiveram de aceitar descontos para encontrar compradores.
Na mira das investigações
Segundo a Polícia Federal, as investigações envolvendo o Banco Master começaram em 2024, após uma requisição do Ministério Público Federal. O objetivo era apurar a possível “fabricação” de carteiras de crédito falsas por uma instituição financeira.
🔎 Esses títulos teriam sido repassados a outro banco e, após fiscalização do Banco Central, substituídos por outros ativos sem a devida avaliação técnica.
Durante audiência na CPI do Crime Organizado, no Senado, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que o esquema de fraudes financeiras que levou à prisão do presidente do Banco Master e de quatro diretores pode ter movimentado cerca de R$ 12 bilhões.
Segundo Rodrigues, apenas na casa de um dos investigados da operação Compliance Zero foram encontrados R$ 1,6 milhão em dinheiro. Ele explicou aos parlamentares que a PF atua em conjunto com o Banco Central e o Coaf na apuração de crimes relacionados ao sistema financeiro.
“Eu não sei quanto que nós vamos conseguir bloquear. Eu sei já que, em dinheiro, apreendemos na residência de um investigado R$ 1,6 milhão em dinheiro nessa operação de hoje”, acrescentou o diretor na CPI do Crime Organizado.
Segundo as investigações:
O Banco Master emitiu R$ 50 bilhões em certificados de depósito bancário (CDBs) prometendo juros acima das taxas de mercado e sem comprovar que tinha liquidez, ou seja, que conseguiria pagar esses títulos no futuro.
Ao comprar um CDB, o cliente empresta o dinheiro ao banco e recebe juros em troca.
Para reforçar essa impressão de liquidez, o Master aplicou parte desses R$ 50 bilhões em ativos que não existem, comprando créditos de uma empresa chamada Tirreno.
O Master não pagou nada por essa compra, mas logo em seguida vendeu esses mesmos créditos ao BRB — que pagou R$ 12,2 bilhões, sem documentação, para “socorrer” o caixa do Banco Master.
Essas transações aconteceram no mesmo período em que o BRB tentava comprar o próprio Banco Master — e convencer os órgãos de fiscalização de que a transação era viável e não geraria risco aos acionistas do BRB, incluindo o governo do DF.
O que acontece agora com o Banco Master?
Com a liquidação extrajudicial, todas as operações do Banco Master foram encerradas de imediato. A diretoria foi afastada e o Banco Central nomeou um liquidante, que passa a controlar a instituição.
Ele será responsável por identificar os bens do banco, levantar as dívidas, preservar documentos e dar início ao pagamento dos credores.
Com a liquidação, todas as obrigações do banco vencem antecipadamente e o FGC é acionado para ressarcir correntistas e investidores dentro do limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ.
Além disso, o BC abre uma investigação própria para apurar as causas da quebra e possíveis irregularidades.
“A medida suspende todas as operações, afasta a administração e dá ao liquidante poderes amplos para organizar os ativos e passivos e iniciar os pagamentos”, explica Berlinque Cantelmo, advogado criminalista e sócio do RCA Advogados.
Ele destaca que os bens de controladores e ex-administradores ficam indisponíveis automaticamente, mecanismo previsto em lei para evitar a transferência de patrimônio.
Para Cantelmo, essa medida indica indícios de condutas graves. A operação da Polícia Federal, que investiga a emissão de títulos falsos e irregularidades contábeis, pode levar à responsabilização criminal por gestão fraudulenta, gestão temerária, falsidade documental, lavagem de dinheiro e organização criminosa. As penas podem chegar a 12 anos de prisão.
Casos anteriores — como Banco Santos, Cruzeiro do Sul e Banco Nacional — seguiram caminhos semelhantes.
Como ficam os clientes do Banco Master?
De acordo com advogados consultados pelo g1, com a liquidação extrajudicial, o Master fica “congelado”. Ou seja, nada entra ou sai até que o liquidante nomeado pelo Banco Central organize ativos e credores.
Segundo Adilson Bolico, sócio do Mortari Bolico Advogados, é como se o banco “fechasse as portas para fazer um balanço”.
FGC e investimentos:
CDBs, LCIs, LCAs, poupança, depósitos à vista e letras de câmbio estão protegidos pelo FGC até R$ 250 mil por CPF, incluindo rendimento até a data da liquidação.
Quem tinha valores acima desse limite entra na lista de credores — que, conforme a advogada Patricia Maia, sócia do Barbosa Maia Advogados, deve ser publicada em até 30 dias — e só recebe pela massa falida, um processo mais demorado.
Fundos de investimento não dependem do FGC, pois o patrimônio é separado; apenas trocam de administrador.
Pagamentos, boletos e saques:
Saques e transferências ficam suspensos imediatamente. Pagamentos e débitos originados no Master deixam de ser executados até orientação do liquidante.
Já parcelas de empréstimos e financiamentos devem continuar sendo pagas normalmente, porque, como explica Patricia Maia, “bancos em liquidação podem continuar recebendo valores de tomadores”.
Clientes com dívidas e regras adicionais:
Quem deve ao Master continua responsável pelo pagamento — a liquidação não extingue obrigações. A rentabilidade dos investimentos só conta até o dia da decretação. Também vale lembrar o teto global do FGC: quem já recebeu garantias em outros bancos nos últimos 4 anos tem limite de R$ 1 milhão no total.
Fachada do Banco Master na cidade de Ssão Paulo, nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025.
Werther Santana/Estadão Conteúdo

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