Mil currículos enviados, qualificado e desempregado: por que milhões seguem fora do mercado há anos?


Por que milhões seguem fora do mercado há anos?
Mais de mil currículos enviados. Quase 100 entrevistas realizadas. E, ainda assim, nada de emprego.
Esse é o retrato de profissionais como Felipe Bomfim e Leandro Tenório que, mesmo com formação sólida, fluência em outros idiomas e cursos de especialização, seguem fora do mercado de trabalho há quase dois anos.
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Histórias como as deles se repetem pelo país. Mais de 1,2 milhão de pessoas estão há mais de dois anos fora do mercado. E 1,9 milhão estão afastados há mais de um ano. Os dados são da PNAD do segundo trimestre de 2025.
Trata-se do chamado desemprego de longo prazo, caracterizado por quem segue procurando, mas não consegue se recolocar por um período prolongado. É diferente do desalento, situação em que a pessoa já perdeu a esperança e, por isso, deixou de procurar emprego.
Esses números chamam a atenção justamente porque surgem em meio ao melhor momento do mercado de trabalho desde 2012. A taxa de desocupação atingiu 5,6% no trimestre encerrado em julho de 2025, renovando o menor nível da série histórica do IBGE.
💭 Ou seja, os indicadores estão no auge, mas uma parte da população segue sem conseguir voltar a trabalhar. Diante disso, é inevitável a pergunta: se os indicadores estão em alta, por que tanta gente continua sem conseguir voltar ao mercado?
Segundo o economista Bruno Imaizumi, a explicação não é tão simples. Embora muitos associem o desemprego à falta de estudo, os dados mostram que os mais afetados são profissionais com ensino médio completo.
Imaizumi acrescenta ainda que, quanto mais qualificados, mais seletivos tendem a ser os trabalhadores em relação às oportunidades que surgem.
A especialista em carreiras Taís Targa acrescenta que o mercado de trabalho está mais exigente, cobrando múltiplas competências, domínio de idiomas, experiência com tecnologia e flexibilidade contratual. Ela lembra ainda que ainda existe preconceito contra quem está há muito tempo sem emprego.
“O recrutador pode pensar: por que essa pessoa está há dois anos fora do mercado? Será que ela tem algum problema?”, observa.
Ela também alerta: aceitar qualquer vaga só para não carregar o rótulo de “desempregado” pode ser perigoso. “Às vezes, esse trabalho indesejado pode sugar a alma, toda a energia, e você não terá nem tempo para procurar algo melhor”.
No fim, o dilema é cruel:
De um lado, profissionais que tentam resistir, insistindo em continuar nas suas áreas.
De outro, a pressão econômica e o estigma social que empurram muitos a aceitar o que aparecer, mesmo que seja abaixo da sua qualificação.
O desemprego prolongado não compromete apenas a renda. Ele abala a autoestima, reforça estigmas e alimenta a ideia equivocada de que “só não trabalha quem não quer”, pontua Targa.
Ao mesmo tempo, mostra ainda como idade, atualização tecnológica, excesso de exigências e critérios seletivos pesam nas chances de recolocação. Abaixo, explore o tema a partir dos seguintes tópicos:
‘Ninguém dá chance’
Contexto econômico
Fatores que levam ao desemprego de longo prazo
O que fazer ou não?
‘Ninguém dá chance’
Leandro Tenório é engenheiro de software, mas atua como motorista de aplicativo para garantir renda
Arquivo Pessoal
Mesmo em setores como tecnologia, conhecidos por boas oportunidades e salários, há profissionais que enfrentam desemprego de longo prazo. Leandro Tenório, por exemplo, construiu carreira sólida como desenvolvedor, mas acabou fora do mercado.
Antes, ele trabalhava como barman e garçom, mas decidiu investir em cursos técnicos, entrou na faculdade e conquistou um estágio em consultoria. Em quase quatro anos, passou de analista júnior a desenvolvedor pleno, cuidando de sistemas em C# .NET Framework.
A virada do mercado veio com novas ferramentas e demandas. A mudança reduziu o espaço para profissionais como ele. Mesmo com duas pós-graduações — em desenvolvimento full stack e engenharia de software —, ele não consegue retornar à área.
“Já me candidatei para vagas de júnior, pleno e sênior. Parece que nada serve. Não adianta estudar se você não está atuando. Vai acabar caindo no esquecimento”, desabafa. Hoje, ele sustenta a família como motorista de aplicativo, trabalhando de 8 a 12 horas por dia.
Felipe é relações públicas e tem experiência em comunicação e eventos, mas está desempregado há quase dois anos
Arquivo Pessoal
Felipe enfrenta um cenário parecido. Formado em Relações Públicas, trabalhou como social media, assessor de imprensa, recepcionista bilíngue, analista de SAC e voluntário em eventos, como a Copa do Mundo.
Para se qualificar ainda mais, estudou espanhol fora do país. Mesmo assim, está há um ano e cinco meses sem emprego formal.
“Tenho espanhol, estudei fora, tenho graduação, inglês, alemão… e não estou utilizando todo esse conhecimento”, lamenta.
Para se manter, Felipe dá aulas de espanhol, é freelancer em eventos e iniciou uma segunda graduação em Gestão de Eventos.
Ele acredita que sua dificuldade vem do aumento das exigências das empresas. Vagas de entrada pedem experiência que só se adquire na prática, mas as oportunidades raramente surgem.
“Experiência só se adquire na prática, mas ninguém dá a chance”, diz.
Os dois relatam ainda o desgaste dos processos seletivos longos, formulários extensos e quase nenhum retorno. O resultado é frustração e desânimo.
Contexto econômico
Mesmo com a taxa de desemprego em queda e sinais de recuperação no mercado, mais de 1,2 milhão de brasileiros seguem há dois anos ou mais sem conseguir uma vaga.
Mais de 1,2 milhão de brasileiros seguem há dois anos ou mais sem conseguir uma vaga.
g1
Segundo Bruno Imaizumi, esse grupo já foi maior (quase 4 milhões em 2021), mas ainda merece atenção.
“O número caiu, sim, mas o risco agora é que parte dessas pessoas, que continuam tentando se recolocar sem sucesso, acabe desistindo de procurar emprego”, alerta.
“Você perde habilidade, deixa de ser produtivo. O medo é que essa pessoa se torne uma desalentada”, explica o economista.
⚠️ Quando o desemprego se prolonga demais, cresce o risco de desalento — ou seja, a pessoa para de buscar trabalho por achar que não há mais chances.
Os dados mostram que os mais vulneráveis são moradores do Nordeste, mulheres, pessoas pretas e profissionais com ensino médio completo, justamente o grupo mais numeroso entre os desocupados de longo prazo.
Mesmo quem tem ensino superior enfrenta barreiras, principalmente quando não possui experiência prática com tecnologias atuais ou não aceita vagas fora da área de formação. Além disso, existe um descompasso entre o que o mercado exige e o que os trabalhadores oferecem, segundo o economista.
“A qualificação de uma pessoa nem sempre é o que a empresa está buscando hoje”, comenta Imaizumi.
Ele também critica a ideia de que “quem quer, trabalha”, lembrando que essa visão ignora desigualdades regionais e sociais do país: “São Paulo e Rio são exceções. Em muitas regiões, falta oportunidade de verdade”.
População desocupada caiu para 6,118 milhões, o menor contingente desde o último trimestre de 2013
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fatores que levam ao desemprego de longo prazo
O desemprego prolongado resulta de uma combinação de fatores que dificultam a recolocação, mesmo com melhora nos indicadores econômicos.
Um dos principais obstáculos é o preconceito contra quem está fora do mercado há muito tempo, segundo Taís Targa. Recrutadores desconfiam de lacunas no currículo e preferem candidatos ativos, mesmo com menos experiência.
O ritmo acelerado do mercado também pesa. Em tecnologia, ferramentas e linguagens se tornam obsoletas em poucos anos. Cursos e pós-graduações ajudam, mas a falta de experiência prática ainda é um empecilho.
“Hoje, é comum pedir idiomas, softwares específicos, flexibilidade de horário e disponibilidade como PJ. Para quem tenta se recolocar, as regras parecem cada vez mais difíceis”, afirma Taís.
A idade também conta. Profissionais mais velhos enfrentam barreiras invisíveis, mesmo qualificados e dispostos a aprender, enquanto empresas preferem candidatos mais jovens por serem considerados “mais adaptáveis”.
Essa situação é vivenciada por Leandro: “Na tecnologia, é comum que as empresas queiram profissionais mais jovens por estarem com cabeças mais frescas para as novas ferramentas”.
O que fazer ou não?
O desemprego prolongado afeta não só o bolso, mas também a autoestima e a saúde mental, segundo a especialista em carreira Taís Targa. Ele pode gerar insegurança e até desencadear transtornos psicológicos, além de reforçar estigmas que dificultam a recolocação.
Para enfrentar o período sem trabalho, Taís recomenda manter uma rotina equilibrada, cuidar da saúde mental e adotar estratégias que mantenham o profissional em movimento, mesmo fora do regime CLT.
Abaixo, confira algumas recomendações:
🟢 Evite o rótulo de “desempregado”: O profissional deve se apresentar como alguém em período de recolocação. A mudança de linguagem preserva a identidade profissional e combate o preconceito do mercado. “O recrutador pode pensar: por que essa pessoa está há dois anos fora do mercado?”, alerta Taís.
⚠️ Aceitar qualquer vaga pode ser um risco: A pressão por aceitar qualquer trabalho é grande, mas nem sempre é a melhor saída. Avaliar o impacto emocional e financeiro é essencial. Em alguns casos, aceitar uma vaga fora da área ou com salário menor pode ser estratégico, se feito com planejamento.
💼 Freelas e trabalhos informais ajudam a manter o ritmo: Dar aulas, prestar consultorias, atuar como freelancer ou participar de projetos pessoais mantém habilidades ativas e evita o afastamento completo do mercado. Essas experiências devem constar no currículo e ser mencionadas em entrevistas, orienta Taís.
🤝 Networking é essencial: Participar de eventos, cursos, grupos de discussão e redes sociais profissionais aumenta a visibilidade. É importante explicar o que foi feito durante o período fora do mercado — trabalhos informais, cuidados com familiares ou projetos próprios — para mostrar proatividade e combater preconceitos.
🌱 Valorize outras áreas da vida: A recolocação pode demorar, mas o profissional não deve se definir apenas pelo desemprego. Cuidar da saúde, da família, da espiritualidade e manter uma rotina equilibrada preserva bem-estar e motivação para continuar buscando oportunidades, conclui a especialista em carreiras.
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