Bolsas de valores
Reuters/Brendan McDermid
Apesar da forte valorização do real neste ano, de quase 14%, e dos sucessivos recordes do Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, analistas avaliam que as incertezas sobre o futuro da economia nacional e global devem continuar influenciando os mercados nos próximos meses.
Segundo especialistas consultados pelo g1, fatores como o ritmo da atividade econômica, a situação do mercado de trabalho no Brasil e nos Estados Unidos, além da inflação, dos juros e do ambiente político — interno e externo — estarão no centro das atenções.
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Veja abaixo os principais pontos de atenção.
Cenário fiscal e economia brasileira
As incertezas sobre o cenário fiscal brasileiro continuam preocupando o mercado e devem ganhar ainda mais relevância nos próximos meses, com a aproximação de 2026 e o início de um ano eleitoral marcado por instabilidade.
Parte dessas incertezas, dizem especialistas, refletem a possibilidade de ajustes nos programas de transferência de renda e as dúvidas sobre como deve ficar o Orçamento público de 2026.
“A pauta fiscal pode ganhar ainda mais peso nas decisões do mercado, já que neste segundo semestre começamos a discutir o Orçamento de 2026, um ano politicamente muito relevante”, explica Álvaro Frasson, macro estrategista do BTG Pactual Portfolio Solutions.
“Além disso, ainda ficam algumas dúvidas. Será que teremos reajuste do Bolsa Família, por exemplo? Ou será que o governo vai avançar e conseguir monitorar o fiscal como deveria?”, acrescenta.
De olho nos EUA
Especialistas também recomendam cautela quanto ao cenário internacional, especialmente em relação aos EUA.
Isso porque, além das tarifas impostas pelo presidente Donald Trump aos principais parceiros comerciais dos EUA, investidores acompanham com atenção possíveis investidas do governo contra a independência do Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano.
Tarifaço
Em relação às tarifas, a Suprema Corte dos EUA decidiu analisar a legalidade do tarifaço de Trump, após o Departamento de Justiça apresentar um recurso que anulou uma decisão tomada no fim de agosto.
Na ocasião, um tribunal de apelações dos EUA concluiu que a maioria das tarifas impostas por Trump não tinha respaldo legal, e apontou que o ex-presidente excedeu sua autoridade ao aplicar taxas com base em uma lei federal destinada a emergências.
O tema ainda gera dúvidas sobre o futuro das tarifas e os impactos que elas podem ter no comércio global e nas economias ao redor do mundo, tanto no médio quanto no longo prazo.
A Suprema Corte respondeu menos de uma semana após o governo Trump pedir a revisão do caso. O processo deve tramitar com rapidez, e os primeiros argumentos orais estão previstos para a primeira semana de novembro.
Exportações para os EUA despencam após entrada em vigor de tarifaço
No caso do Brasil, o republicano assinou o decreto que impunha taxas de 50% aos produtos importados brasileiros no final de julho – mas deixou de fora da taxação uma longa lista de itens.
Segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, a lista de exceções acabou sendo bastante positiva para o Brasil, uma vez que diminuiu a tarifa média de 50% para 30%.
“Por hora, a gente estima que o impacto direto das tarifas de Trump no PIB [Produto Interno Bruto] do país ainda seja muito limitado, algo em torno de 0,1%. O impacto inflacionário também é desprezível”, afirmou em encontro com jornalistas realizado no final de agosto.
A economista do banco Julia Gottlieb explicou, ainda, que é plausível acreditar que o Brasil conseguirá redirecionar parte de suas exportações, o que deve ajudar a proteger a economia dos impactos mais severos do tarifaço.
“Se aplicarmos esses 30% sobre o total exportado para os EUA, o impacto poderia chegar a cerca de US$ 13 bilhões. Mas é razoável supor que haverá algum redirecionamento comercial, especialmente no setor de commodities”, afirmou.
“Embora tenhamos presença forte nos EUA, também exportamos para outros mercados. Por isso, o impacto tende a ser mais limitado”, completou a economista.
Independência do Fed
No caso do Fed, embora a legislação dos EUA proíba o presidente de demitir membros do banco central sem comprovação de irregularidades, ações recentes de Trump voltaram a gerar preocupação no mercado.
No capítulo mais recente, a Justiça dos EUA chegou a proibir temporariamente que Trump demitisse Lisa Cook, diretora do Fed que virou alvo do republicano no último mês.
O governo Trump, no entanto, recorreu da decisão judicial, tentando assegurar o afastamento de Cook antes da reunião do Fed que definirá a política de juros.
A tentativa de demissão de uma diretora do Fed, sem precedentes, foi vista como uma nova escalada dos ataques do republicano à independência do banco central norte-americano – há meses Trump tem tentado que o Fed reduza as taxas de juros no país.
Trump justificou o pedido de afastamento alegando que Cook teria cometido fraude hipotecária ao declarar duas residências como principais para obter condições melhores de financiamento.
Cortes de juros
Neste mês, o Fed reduziu as taxas de juros dos EUA em 0,25 ponto percentual, para a faixa de 4% a 4,25% ao ano. Esse foi o primeiro corte de juros nos EUA em nove meses.
Segundo Mesquita, do Itaú, embora o último relatório de emprego dos EUA (payroll) tenha mostrado desaceleração, a economia americana segue resiliente e ainda pode sentir algum efeito inflacionário vindo das tarifas.
“A dúvida é sobre a duração do ciclo. Ainda assim, não deve cortar os juros tanto quanto o mercado espera, porque a economia segue forte e o nível de emprego continua elevado”, comentou.
As projeções do Itaú apontam para três cortes de juros pelo Fed neste ano. “Mas acreditamos que o ciclo será relativamente curto”, afirmou o economista-chefe do banco.
🔎 Embora os cortes de juros nos EUA possam beneficiar o Brasil — fortalecendo o real frente ao dólar e atraindo capital estrangeiro —, os sinais de interferência de Trump no Fed ainda geram preocupação.
Isso porque, se Trump conseguir influenciar cortes de juros mais agressivos nos EUA sem respaldo técnico, os níveis de incerteza aumentam, o mercado se torna mais volátil e os investimentos globais podem diminuir.
O que esperar à frente?
Apesar dos alertas dos especialistas consultados pelo g1, há fatores que podem dar fôlego aos ativos brasileiros — como a queda nas expectativas de inflação, por exemplo.
Nos últimos meses, analistas e economistas têm reduzido as projeções de inflação para 2025, em meio ao fortalecimento do real e aos sinais de desaceleração da economia brasileira.
“A atividade econômica teve um crescimento forte no início do ano, puxado pelo agronegócio, mas esse ritmo já começa a desacelerar”, afirmou Mesquita.
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, apontam que o Produto Interno Bruto (PIB) do país registrou uma alta de 0,4% no segundo trimestre deste ano.
Apesar do crescimento, o resultado representa uma desaceleração significativa em relação ao trimestre anterior (+1,3%) e reflete os impactos dos juros altos.
A dúvida agora é quando os efeitos da política monetária começarão a atingir o mercado de trabalho.
“A desaceleração da atividade vem primeiro, e só depois afeta o mercado de trabalho. Ainda vemos um mercado aquecido, com desemprego em níveis baixos e massa salarial elevada. Isso sustenta o consumo e reduz o risco de uma recessão mais profunda ou de uma freada brusca na economia”, explicou o economista do Itaú.
Esse cenário, aliado ao fortalecimento do real, reforça a visão de que o Banco Central pode ter espaço para iniciar cortes na taxa de juros brasileira, segundo especialistas.
“Sem dúvida, o Banco Central está aguardando algumas leituras consecutivas que indiquem um mercado de trabalho mais fraco para começar a discutir a possibilidade de iniciar um ciclo de cortes de juros — seja no fim deste ano ou no início do próximo”, afirmou Frasson, do BTG.