Brasil apresenta defesa contra investigação comercial dos EUA
O governo brasileiro entregou nesta segunda-feira (18/08) uma resposta oficial à investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), que acusa o país de prejudicar empresas americanas com práticas “desleais” na economia.
No documento de 91 páginas assinado pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e divulgado no site do USTR, o Brasil negou que adote medidas discriminatórias, injustificáveis ou restritivas ao comércio com os EUA, voltou a defender o Pix e contestou a legitimidade da ação do órgão americano, afirmando que ela não tem base jurídica ou factual.
Também pediu à USTR que “repense a abertura da investigação” e apelou por um “diálogo construtivo”. ” Medidas unilaterais previstas na Seção 301 podem comprometer o sistema multilateral de comércio e ter consequências adversas para as relações bilaterais”, afirma o governo brasileiro.
A investigação do USTR foi aberta em meados de julho por ordem do presidente americano Donald Trump com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 dos EUA, com o objetivo declarado de apurar eventuais ações do Brasil que prejudiquem empresas americanas, especialmente em setores como sistemas de pagamento digital, acesso ao mercado de etanol, pirataria, desmatamento e aplicação de leis anticorrupção.
O Brasil foi informado sobre a investigação em 15 de julho, dias depois de Trump anunciar uma tarifa de 50% para produtos brasileiros – medida que entrou em vigor em 6 de agosto.
À época, Trump disse agir em solidariedade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de tramar um golpe de Estado – o processo dele está na reta final e o julgamento deve ser concluído ainda em setembro.
O tarifaço também foi anunciado como retaliação a outras decisões supostamente injustas da corte, inclusive contra plataformas de rede social americanas, e às “práticas desleais” posteriormente listadas pela USTR.
A depender do resultado da investigação do órgão comercial americano, o Brasil poderá ser retaliado com tarifas ainda mais pesadas, prejudicando as exportações aos EUA.
Lula em imagem de arquivo
Adriano Machado/Reuters
Veja, a seguir, os principais pontos da resposta do Brasil à investigação do USTR.
PIX
O governo brasileiro afirma que o Pix – tecnologia criada pelo Banco Central para pagamentos instantâneos sem cobrança de taxas – visa à segurança do sistema financeiro, sem discriminar empresas estrangeiras, e que a administração pelo BC garante neutralidade ao sistema.
Também ressalta que outros Bancos Centrais, inclusive o Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) testam ferramentas parecidas.
“De fato, diferentes governos estão tomando a iniciativa de fornecer a infraestrutura para pagamentos eletrônicos instantâneos, incluindo a União Europeia, a Índia e os Estados Unidos. O Federal Reserve dos Estados Unidos, em particular, introduziu recentemente o FedNow, um sistema que oferece funcionalidades semelhantes ao Pix”, destacou o Itamaraty em sua resposta à USTR.
Segundo o Brasil, o Pix aumentou a concorrência no mercado de pagamentos eletrônicos, com maior participação empresas privadas, inclusive americanas.
O Pix irritou a Casa Branca ao abocanhar parcela considerável de um mercado dominado por bandeiras de cartão de crédito ou débito, como a Mastercard e a Visa, ambas sediadas nos EUA, e por sistemas de pagamento eletrônico como Google Pay e Apple Pay, também americanos.
À época do anúncio da investigação da USTR, uma das possíveis explicações ventiladas na imprensa brasileira para a ação era a suspeita de que o Banco Central brasileiro tenha usado seu poder indevidamente para prejudicar concorrentes da tecnologia.
“A participação de mais de 900 prestadores de serviços de pagamento no Pix demonstra a eficácia da abordagem do Banco Central do Brasil. Além disso, o marco de participação do Pix – que inclui modelos de negócios como a iniciação de pagamentos – cria oportunidades para grandes empresas de tecnologia interessadas em operar no sistema. Notadamente, a iniciação de pagamentos por provedores terceiros vem crescendo a uma taxa mensal de 25% neste ano, sendo o Google Pay o maior iniciador, processando aproximadamente 1,5 milhão de transações via Pix no mês passado”, afirma o governo brasileiro na resposta.
Redes sociais e atuação do Judiciário
O governo Trump também questiona o bloqueio de redes sociais americanas e a suspensão de perfis nessas plataformas por ordem da Justiça brasileira.
O governo brasileiro nega que decisões judiciais, inclusive ordens do STF, tenham resultado em medidas discriminatórias que prejudiquem o direito de companhias americanas de atuar no Brasil ou competir em mercados globais.
Também aponta que a responsabilização de plataformas pela remoção de conteúdos da internet baseia-se em lei que regula a responsabilidade jurídica de todas as empresas, independentemente de sua origem, sem visar especificamente os Estados Unidos – critério necessário para a aplicação de medidas punitivas de acordo com a Seção 301.
Segundo o Itamaraty, o julgamento recente do STF que definiu as condições de responsabilização de plataformas por conteúdos postados em redes sociais estabeleceu “padrões mínimos” que não sobrecarregam “significativamente” essas empresas nem permitem que a lei seja usada para acabar com a liberdade de expressão.
O Brasil argumenta ainda que a imposição de multas e outras medidas coercitivas é um recurso padrão para assegurar o cumprimento de decisões judiciais legítimas, e que o país faz uso desse instrumento assim como os EUA e outras nações onde vigora o princípio do Estado de Direito.
Outro ponto que foi criticado por Trump e levantado pelo USTR é a emissão de ordens judiciais “secretas” pelo STF. O governo brasileiro pontuou que autoridades americanas como o FBI também recorrem a instrumentos semelhantas quando demandam de provedores de serviços de comunicação “informações específicas relevantes para os interesses de segurança nacional”, e que essa prática tem sido avalizada pelos tribunais americanos sem menções a violações à liberdade de expressão.
“Ainda assim, a natureza confidencial das ordens judiciais não viola nenhum direito dos indivíduos ou entidades sujeitas àquelas ordens”, afirma o governo brasileiro, citando que os direitos à legítima defesa seguem mantidos. “As partes, seus advogados e a promotoria têm total acesso a todos os arquivos do caso, provas e documentos […]. As partes, portanto, têm acesso ao devido processo mesmo quando a ação é confidencial.”
Pirataria
Sobre a acusação de que o Brasil permite a venda de produtos falsificados, o Itamaraty argumenta que o país mantém e reforça “robustamente” um regime legal abrangente para proteger os direitos de propriedade intelectual, trabalhando para inibir esse tipo de comércio ilegal.
O governo brasileiro sustenta que cumpre padrões internacionais e mantém marcos regulatórios em linha com os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Segundo o documento, as reformas promovidas pelo governo brasileiro em setores considerados sensíveis pelos EUA tiveram como objetivo alinhar-se às regras multilaterais, sem prejuízo à competitividade ou aos interesses americanos.
Desmatamento e etanol
Em relação ao etanol, o Brasil afirma que suas políticas são alinhadas aos compromissos multilaterais. O documento ressaltou que, historicamente, o país tem mantido tarifas sobre a importação de etanol abaixo do patamar de 35% acordado com a OMC, e que os EUA atualmente impõem uma tarifa muito mais alta ao etanol brasileiro.
O Brasil também destacou que produtos aeronáuticos americanos se beneficiam de “tarifa zero”, e que empresas brasileiras do ramo têm criado empregos nos EUA.
Quanto ao desmatamento, o governo alega que suas ações ambientais não constituem restrições comerciais ou obstáculos à competitividade de empresas americanas, e que se esforça para preservar o meio ambiente sem prejudicar a livre circulação de produtos ou promover discriminação.
Investigação do USTR é “instrumento unilateral”
Em nota, o governo brasileiro afirma que a seção 301 é um “instrumento unilateral […] inconsistente com as regras e o sistema de solução de controvérsias” da OMC, e que os EUA, longe de serem prejudicados no comércio, têm ” expressivo e crescente superávit comercial” com o Brasil.
Também disse que a resposta encaminhada à USTR “comprova que as políticas brasileiras investigadas são transparentes, não discriminatórias, estão em plena conformidade com as melhores práticas internacionais e com as obrigações” do Brasil na OMC.
Veja 5 pontos da resposta do Brasil à investigação comercial dos EUA
