O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, embarca no Air Force One a caminho de Nova Jersey, partindo da Base Conjunta Andrews, em Maryland, EUA, em 1º de agosto de 2025
REUTERS/Ken Cedeno
O presidente Donald Trump demitiu na sexta-feira (01) uma importante autoridade do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, logo após a divulgação de um relatório fraco e surpreendente sobre o mercado de trabalho, acusando-a — sem apresentar provas — de manipular os números.
O episódio aumenta ainda mais as preocupações já existentes sobre a qualidade dos dados econômicos divulgados pelo governo federal.
Em um segundo desdobramento surpreendente na política econômica, Trump ganhou a oportunidade de influenciar mais cedo do que o esperado o Federal Reserve (Fed), com quem entra em conflito quase diariamente por não reduzir os juros, após a inesperada renúncia da governadora Adriana Kugler, anunciada na tarde de sexta-feira.
Os dois eventos agitaram ainda mais o mercado de ações, já impactado por um novo pacote de tarifas anunciado por Trump e pelos dados fracos de emprego. O índice de referência S&P 500 (.SPX) caiu 1,6%, registrando sua maior queda diária em mais de dois meses.
Trump acusou Erika McEntarfer — nomeada pelo ex-presidente Joe Biden — de falsificar os dados de emprego. Não há evidências que sustentem as alegações de manipulação por parte da Bureau of Labor Statistics (BLS), a agência estatística que compila o relatório de emprego, bem como os índices de preços ao consumidor e ao produtor.
Um porta-voz do BLS não respondeu aos pedidos de comentário.
A Secretaria de Estatísticas Trabalhistas divulgou que a economia dos EUA criou apenas 73 mil empregos em julho. Mais impressionantes, porém, foram as revisões para baixo dos meses anteriores, que mostraram 258 mil empregos a menos em maio e junho do que os dados inicialmente reportados.
“Precisamos de números de emprego precisos. Ordenei à minha equipe que demitisse essa indicada política de Biden, IMEDIATAMENTE. Ela será substituída por alguém muito mais competente e qualificado”, publicou Trump em sua rede Truth Social.
A taxa de desemprego subiu para 4,2% em julho, e o país criou apenas 73 mil novas vagas no mês — abaixo das expectativas dos analistas.
Os números de meses anteriores também foram revisados para baixo: maio registrou 19 mil vagas e junho, apenas 14 mil — os piores resultados desde a pandemia de covid-19.
“Foi um relatório de emprego mais fraco do que o mercado esperava. As revisões negativas de 258 mil vagas e o aumento na taxa de desemprego recolocaram a possibilidade de um corte de juros em setembro na mesa”, dizem Ian Lyngen e Vail Hartman, estrategistas do BMO Capital Markets, em nota.
Preocupações com os dados
Um funcionário da administração Trump, que pediu anonimato, disse que, embora todos os dados econômicos tenham certa variação, a Casa Branca está insatisfeita com o tamanho das revisões recentes e com a queda nas respostas às pesquisas. O problema, segundo ele, começou durante a pandemia de COVID e não foi resolvido desde então.
“Existem esses problemas subjacentes que estão se acumulando há anos e que não foram corrigidos”, disse o funcionário. “Os mercados, as empresas e o governo precisam de dados precisos e, tipo, simplesmente não estávamos recebendo isso.”
A agência estatística já reduziu a coleta de dados para os relatórios de preços ao consumidor e ao produtor, alegando limitações de recursos. A pesquisa de emprego é baseada em cerca de 121 mil empresas e agências governamentais, representando aproximadamente 631 mil locais de trabalho.
A taxa de resposta caiu de 80,3% em outubro de 2020 para cerca de 67,1% em julho, segundo dados da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos.
Uma pesquisa da Reuters no mês passado revelou que 89 de 100 principais especialistas em políticas tinham ao menos alguma preocupação com a qualidade dos dados econômicos dos EUA, com a maioria também preocupada com a falta de ação urgente das autoridades para enfrentar o problema.
Além das preocupações com os dados de emprego, cortes de pessoal no BLS também resultaram em redução na abrangência da coleta de dados para o Índice de Preços ao Consumidor — um dos indicadores mais importantes da inflação nos EUA, acompanhado de perto por investidores e formuladores de políticas ao redor do mundo.
A atitude de Trump gerou receios de que a política possa passar a influenciar a coleta e divulgação de dados econômicos.
“Politizar estatísticas econômicas é um ato autodestrutivo”, disse Michael Madowitz, economista-chefe do Roosevelt Institute’s Roosevelt Forward.
“A credibilidade é muito mais fácil de perder do que de reconstruir, e a credibilidade dos dados econômicos dos EUA é a base sobre a qual construímos a economia mais forte do mundo. Cegar o público sobre o estado da economia tem um histórico conhecido — e nunca termina bem.”
Trump diz que não planeja demitir Powell, mas volta a pressionar Fed por juros mais baixos
Mudança no Fed Antecipada
Enquanto isso, a decisão surpresa de Kugler de deixar o Fed ao final da próxima semana dá a Trump uma oportunidade antecipada de nomear um novo integrante para o Conselho de Governadores do banco central, potencialmente preparando o terreno para substituir o atual presidente, Jerome Powell.
Trump já ameaçou diversas vezes demitir Powell por liderar um comitê que não reduziu os juros conforme seu desejo. O mandato de Powell como presidente do Fed termina em maio do próximo ano, mas ele poderia permanecer no conselho até 31 de janeiro de 2028, se assim decidir.
Com a saída de Kugler, Trump poderá nomear um novo governador para completar o mandato dela, que termina em 31 de janeiro de 2026. Esse governador pode ser indicado posteriormente para um mandato completo de 14 anos.
Alguns analistas especulam que Trump pode usar essa nomeação como uma espécie de “reserva” para um futuro presidente do Fed.
Entre os nomes cotados estão o conselheiro econômico de Trump, Kevin Hassett; o secretário do Tesouro, Scott Bessent; o ex-governador do Fed, Kevin Warsh; e o atual governador Chris Waller — nomeado por Trump — que nesta semana discordou da decisão do Fed de manter os juros inalterados, dizendo que preferia começar a reduzi-los já.
Ao deixar a Casa Branca para passar o fim de semana em seu resort em Bedminster, Nova Jersey, Trump disse estar satisfeito com a abertura da vaga.
“Eu não interpretaria como motivação política o que [Kugler] está fazendo, embora a consequência do que ela está fazendo seja chamar o blefe de Trump”, disse Derek Tang, analista da empresa de pesquisa LH Meyer. “Ela está passando a bola para ele e dizendo: olha, você está pressionando tanto o Fed, quer controle sobre as nomeações, então aqui está uma vaga.”
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