O futuro das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, já impactadas pelo tarifaço do presidente Donald Trump, vai depender dos desdobramentos do julgamento da Seção 301, mecanismo usado pelos EUA para adotar medidas unilaterais contra o que consideram práticas comerciais desleais.
O Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) iniciou uma investigação comercial contra o Brasil a pedido do presidente Donald Trump, sob alegação de que o país comete “práticas comerciais desleais”. O anúncio foi feito em um documento oficial divulgado em 15 de julho.
🔎A medida norte-americana foi tomada com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 — legislação que prevê a investigação de práticas estrangeiras desleais que impactam o comércio americano. O julgamento ocorrerá nos EUA.
Alguns dos alvos da investigação são o PIX, tarifas chamadas de injustas e preferenciais, aplicação de medidas anticorrupção, proteção da propriedade intelectual e a comercialização do etanol brasileiro. Os Estados Unidos alegam que essas supostas práticas desleais estariam prejudicando “empresas, trabalhadores, agricultores e inovadores tecnológicos dos EUA”.
Caso a investigação conclua que o Brasil comete práticas desleais, os Estados Unidos podem aplicar mais tarifas, suspender benefícios comerciais, dentre outras retaliações. Mas, se não for identificado nenhuma irregularidade, o governo norte-americano pode reduzir ou medidas retaliatórias.
Trump, ao aplicar o tarifaço, atacou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) para adequar redes sociais norte-americanas às leis brasileiras e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Isso foi visto pelo governo brasileiro como chantagem.
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Negociações x via judicial
Segundo o embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima, a busca pelo entendimento sobre a elevação da alíquota à 50% sobre as exportações brasileiras pode ser divida em duas etapas.
Uma era a negociação, que não alcançou o resultado esperado pelo Brasil:
“Aquela em que parecia ver uma janela de oportunidade, de acordo com a própria carta, de 9 de julho, parágrafos finais que apontavam para a possibilidade de reverter, minimizar o dano. Parecia que havia como, com todos os outros países, uma possibilidade de entendimento através de concessões por parte, no caso do Brasil, para que a redução se efetuasse. Isso não aconteceu”, contextualiza.
Para ele, quando a Embraer e outros setores foram excluídos da tarifa, para evitar prejuízos para os Estados Unidos, ficou nítida a prevalência da “lógica econômica comercial”.
Por isso, a etapa restante é a via judicial.
“Agora, a partir do momento em que a parte norte-americana decide abrir uma investigação sobre a seção 301, fica claro essa divisão que eu estava me referindo. Você tem uma etapa em que nada foi, nada terá sido pedido ao Brasil e, agora, uma etapa nova, sobretudo, a partir das audiências públicas de setembro, uma demanda por parte dos Estados Unidos”, acrescenta.
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Nelson Almeida/AFP
Estratégia do Brasil
Ao g1, o Itamaraty informou que coordena com demais áreas do governo uma manifestação escrita “robusta”.
“Para isso, foi criada uma força-tarefa composta por servidores com ampla experiência nos temas envolvidos que, em articulação com os órgãos competentes da Esplanada, têm elaborado os comentários do governo brasileiro, atualmente em estágio avançado de preparação”, explicam.
Para o conselheiro consultivo internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Hussein Kalout, a resposta do Brasil não é “pro forma”, tem “peso” e deve apresentar os argumentos técnicos contra o tarifaço.
Segundo Kalout, os três produtos mais exportados pelos EUA para o Brasil entram sem taxação, o que por si só já rebate o argumento americano.
Ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Hussein Kalout diz que Lula deve manter a posição de não aceitar discutir a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro, uma vez que seria até inconstitucional o petista tentar interferir no Supremo Tribunal Federal (STF).
Brasil ‘não vai desistir’
Em uma rede social, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que o Brasil “não vai desistir de negociar” com os Estados Unidos.
O Itamaraty acrescentou ainda que o país “é bom em cultivar amizades”.
Nos bastidores, diplomatas dizem que, apesar das conversas entre integrantes dos dois governos, as negociações não avançam. Avaliam que, até agora, Donald Trump não deu aval a nenhum assessor direto para que negocie de fato as tarifas. Dizem os diplomatas, de forma reservava, que o governo americano tem agido com “truculência”.
“Trump não quer negociar, quer impor a sua vontade. […] Ele ignora os fatos deliberadamente”, desabafou um diplomata a par das conversas com emissários do presidente americano.
Esse diplomata acrescentou ainda ver a investigação aberta pelos EUA como “mais um instrumento de pressão econômica” contra o Brasil.
Segundo ele, essa pressão tem sido demonstrada na “seletividade” das tarifas americanas, buscando penalizar países comandados por presidentes que “não se curvam” a Trump e beneficiando países alinhados ao presidente americano.
Na avaliação do embaixador Graça Lima, “se houve alguma tentativa de negociação ela se esgotou naquele período, até a entrada em vigor do tarifaço, de modo que a partir daí, enfim, não vejo nenhum tema que possa ser objeto de discussão sobretudo, negociação”, diz. “O processo hoje está definido pela investigação sobre a Seção 301”, conclui.
Tarifaço: futuro da relação comercial com os EUA passa pelo julgamento da Seção 301; entenda
