O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira (17) manter a taxa Selic em 15% ao ano. Com isso, os juros seguem no maior patamar em duas décadas, mesmo diante da revisão para baixo das projeções de inflação do mercado financeiro.
Segundo o boletim Focus, no início de março o mercado projetava inflação de 5,68% para o fim do ano. Na última semana, a estimativa já havia recuado para 4,83%.
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No mês de agosto, a inflação oficial do Brasil registrou, inclusive, a primeira queda geral nos preços em um ano. O IPCA caiu 0,11% no mês passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda assim, economistas ouvidos pelo g1 dizem que, mesmo com sinais de melhora na inflação, ainda não há motivos para que o Banco Central mude sua política de juros.
Veja abaixo os principais fatores que, segundo analistas, ainda preocupam o BC.
Foco do BC é a inflação de serviços
A queda de preços em agosto foi influenciada pelo bônus de Itaipu nas contas de luz e pela redução no grupo Alimentação e bebidas, que costuma se beneficiar da maior oferta agrícola no meio do ano, após a temporada de chuvas.
Segundo Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval, os fatores que reduziram os preços são temporários.
Houve influência da sazonalidade, que normalmente favorece índices menores no meio do ano;
E a valorização do real, impulsionada pela queda do dólar, barateou os produtos importados.
Esse movimento ajudou a aliviar os preços no curto prazo, mas pode ser passageiro. Embora o IPCA cheio seja uma referência importante para o BC, um núcleo específico preocupa ainda mais: a inflação de serviços.
Em agosto, esse indicador desacelerou em relação a julho, mas segue em um nível considerado alto pelos economistas. Em 12 meses, o núcleo de serviços acumula alta de 6,17%, bem acima do IPCA cheio e da meta de inflação.
Essa fatia da inflação é vista como termômetro da demanda na economia brasileira, já que reflete a situação do consumo e do mercado de trabalho.
Com mais empregos e salários maiores, aumenta a demanda por serviços e, ao mesmo tempo, os custos das empresas. “Mesmo que a inflação geral mostre algum alívio, o que importa para o BC ainda não avançou de forma relevante”, explica Cardoso.
Economia mais fraca, mas emprego ainda firme
Um dos principais efeitos dos juros elevados é a desaceleração da economia brasileira. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,3%, mas perdeu fôlego no segundo, avançando apenas 0,4%.
O Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado a prévia do PIB, recuou pelo terceiro mês seguido, com queda de 0,5% entre junho e julho.
Apesar disso, o mercado de trabalho segue bastante aquecido. Também em julho, a taxa de desemprego atingiu uma nova mínima histórica, encerrando o trimestre em 5,6%. Em números absolutos, 6,1 milhões de brasileiros seguem sem emprego, o menor nível desde 2013.
“O que o Banco Central quer ver é uma desaceleração do mercado de trabalho. Esse é sempre o último setor a sentir os efeitos de uma economia mais fraca. Enquanto o emprego continuar forte, a inflação de serviços vai permanecer pressionada”, diz Cardoso.
Ainda distante da meta de inflação
As projeções de economistas do mercado financeiro para a inflação recuaram não apenas para 2025, mas também para 2026, 2027 e 2028. Ainda assim, permanecem acima da meta oficial.
O objetivo do BC é levar a inflação em 12 meses para 3%. A meta é considerada cumprida se variar entre 1,5% e 4,5%.
Cardoso, do Daycoval, avalia que o fato de as projeções — inclusive as do próprio BC — ainda estarem fora da meta já é razão suficiente para manter a política de juros elevados. Em sua visão, apenas em 2026 haverá espaço para cortes.
“No início de 2026, o BC provavelmente terá três fatores se alinhando: expectativas mais próximas da meta, atividade econômica mais fraca com reflexos no mercado de trabalho e uma inflação de serviços já mostrando melhora consistente”, afirma.
Ricardo Pegnoratto, especialista em finanças e investimentos da MIDE Mesa Proprietária, também destaca o cenário das contas públicas, cujas incertezas podem influenciar as expectativas de inflação nos próximos meses.
“O Copom optou pela prudência, aguardando sinais mais concretos e duradouros de que a inflação está convergindo para a meta, antes de iniciar um movimento de flexibilização”.
E o tarifaço?
Fatores internacionais também influenciam as decisões sobre juros. Segundo economistas, medidas como as tarifas impostas pelos Estados Unidos têm pouco impacto direto na inflação brasileira, mas aumentam a incerteza global.
Isso porque as tarifas podem pressionar a inflação nos EUA e alterar a política de juros americana — e esses efeitos, sim, podem atingir o Brasil de forma indireta.
“Se o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) corta juros, o real tende a se valorizar, o que ajuda a reduzir a inflação no Brasil”, afirma Cardoso, do Daycoval.
Para Ricardo Pegnoratto, da MIDE Mesa Proprietária, o Copom entende que, embora o impacto na economia seja limitado, a incerteza gerada e os efeitos específicos em alguns setores justificam maior cautela. “O risco de aumento de preços vindos do exterior impede que o BC reduza os juros agora”, afirma.
Segundo ele, a decisão do BC de manter a Selic em 15% ao ano é um recado claro ao mercado: a prioridade é o controle da inflação e a ancoragem das expectativas — ou seja, assegurar que as projeções apontem para a manutenção da inflação sob controle no futuro.
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Reprodução/Pixabay
Por que o Copom manteve a Selic em 15% após deflação e melhora das expectativas do mercado
