Trump segura taça da Copa do Mundo e pergunta se pode ficar com ela
A Casa Branca confirmou que o governo Donald Trump adquiriu uma participação de 10% na fabricante de chips americana Intel, pelo valor de 8,9 bilhões de dólares (R$ 48,5 bilhões).
“Este acordo histórico fortalece a liderança dos EUA em semicondutores, que irá estimular o crescimento de nossa economia e ajudar a garantir a vantagem tecnológica da América”, anunciou o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, na sexta-feira (22/08).
Embora seja incomum para o governo dos EUA adquirir uma participação em uma empresa tão grande como a Intel, isso está alinhado à tendência de Trump de intervir no mercado durante seu segundo mandato.
As fabricantes de chips Nvidia e AMD também concordaram neste mês em pagar 15% da receita de suas vendas na China ao governo dos EUA.
Outro exemplo foi a recente venda da siderúrgica americana US Steel para a japonesa Nippon Steel, em um acordo que garantiu ao governo dos EUA a golden share, que dá amplo poder de veto sobre decisões corporativas da US Steel e o direito de nomear um membro do conselho.
Houve também o anúncio em julho de que o governo dos EUA se tornaria o maior acionista da única mina de terras raras em operação nos EUA, de propriedade da MP Materials.
Mais do que uma empresa?
“A gestão Trump está realmente adotando uma visão ampla do que é possível em termos de intervenções do governo dos EUA no setor privado e forçando muito os limites”, diz à DW Geoffrey Gertz, pesquisador sênior do Centro para uma Nova Segurança Americana, sediado em Washington.
Ele descreve as medidas recentes como “incomuns”, e faz uma distinção entre as políticas de governos anteriores para estimular setores inteiros e a abordagem mais pessoal e direcionada de Trump. “Eles estão fechando acordos pontuais com empresas individuais”, diz. “Essa é uma abordagem bem diferente de estabelecer padrões ou diretrizes de política industrial para todo o setor.”
No entanto, há muito apoio à abordagem de Trump, especialmente quando se trata de setores considerados estrategicamente importantes na rivalidade entre os EUA e a China, como semicondutores e terras raras.
O CEO da Intel, Lip-Bu Tan e Donald Trump
Reuters
Sujai Shivakumar, diretor do programa Renovando a Inovação Americana do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, afirma que a indústria de semicondutores não compete em “condições de igualdade”, considerando o enorme apoio estatal fornecido em países como a China e outros.
“A Intel é mais do que apenas uma empresa, e acho que a decisão de investir deve ser aplaudida”, diz ele à DW. “É hora de entender que esse tipo de política industrial é agora a norma nas economias avançadas e que os governos estão fornecendo essa forma de apoio amplo”, afirma. “Se nos agarrarmos a esse mito de um mercado puramente puro aqui nos EUA, corremos o risco de perder terreno em um dos setores mais estratégicos do século.”
Gertz pontua que não é “intrinsecamente errado” o governo investir na Intel. “Acho que existem setores estratégicos e há motivos para uma política industrial ativa, especialmente quando há repercussões na segurança nacional.”
A importância dos chips
Tanto os governos Joe Biden como Trump estipularam como objetivo aumentar a capacidade dos EUA de fabricar chips avançados, necessários para praticamente todos os aspectos da indústria moderna de alta tecnologia.
O governo Biden introduziu o CHIPS Act em 2022, uma lei que recebeu apoio bipartidário. A norma destinou apoio federal e subsídios generosos para empresas como Intel, Taiwan Semiconductor Manufacturing Corporation (TSMC) e Samsung para aumentarem a produção em solo americano.
Dado que a Samsung é da Coreia do Sul e a TSMC é de Taiwan, a Intel representa a perspectiva mais óbvia em termos de produção nos EUA.
No entanto, a Intel tem sido assolada por problemas nos últimos anos. Ela enfrenta dificuldades para competir com a TSMC na fabricação dos semicondutores mais avançados para clientes externos e também não conquistou uma fatia do mercado de chips de dados de inteligência artificial (IA), dominado pela Nvidia. Suas receitas têm sido fracas e o preço de suas ações vinha caindo – após o anúncio da Casa Branca, elas subiram mais de 6% na sexta-feira.
Trump, que faz muitas críticas ao CHIPS Act, chegou a pedir a renúncia do CEO da Intel, Lip-Bu Tan, no início de agosto, mas mudou de abordagem após se reunir com ele e a proposta de o governo adquirir ações da empresa ganhar força.
Segundo um comunicado da Intel, os recursos do governo americano para comprar as ações virão parcialmente de subsídios que haviam sido oferecidos pelo CHIPS Act e de outras fontes.
Para Sujai Shivakumar, a Intel é a única empresa sediada nos Estados Unidos com chances reais de recuperar o domínio americano na fabricação de chips avançados. Ele avalia que o potencial da empresa justifica a intervenção do governo americano.
“Ela precisa de demanda comercial para que seus produtos sejam viáveis, mas precisa dessa viabilidade para garantir a demanda”, diz. “Portanto, ela está presa nesse ciclo vicioso. E, a menos que haja um sinal forte de que ela realmente pode encontrar a tração para sair dessa situação, ela continuará girando em falso.”
Riscos e aplicação
Mas o acordo também levantou algumas preocupações sobre a abordagem cada vez mais robusta do governo Trump em relação à intervenção direta nas empresas americanas.
“Há risco de capitalismo de compadrio”, diz Geoffrey Gertz. “Você pode chegar a uma situação em que está prejudicando a concorrência, prejudicando a inovação de longo prazo, ao ter algumas poucas empresas favorecidas que podem ser um pouco preguiçosas porque sabem que são protegidas pelo Estado.”
Já para Sujai Shivakumar, o segredo é equilibrar preocupações estratégicas genuínas e forças de mercado. “Não é que devemos assinar um cheque em branco”, afirma. “Não podemos deixar tudo a cargo do mercado. É preciso haver algum equilíbrio, uma política industrial inteligente que possa ajudar a empresa a restaurar a confiança de seus clientes, investidores e fornecedores.”
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