Ministro Luiz Marinho em visita a Piracicaba
Reprodução/EPTV
Em protesto contra uma decisão do ministro Luiz Marinho, os coordenadores estaduais de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à Escravidão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) entregaram seus cargos executivos.
O movimento foi motivado pela decisão do ministro de revisar pessoalmente um processo que poderia incluir a unidade avícola da JBS SA na lista suja do trabalho escravo.
Os auditores-fiscais — que deixam as funções executivas, mas mantêm seus cargos no ministério — afirmam que a decisão compromete a integridade da fiscalização do trabalho escravo no Brasil.
Procurado, o Ministério do Trabalho afirmou que não recebeu os pedidos de renúncia e que o ministro avocou (assumiu a responsabilidade) o processo a pedido da empresa, que alega não terem sido considerados os recursos apresentados e aponta inconsistências no auto de infração. (veja abaixo a nota na íntegra)
A decisão de Marinho, respaldada por parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU), reintroduziu o uso do instituto da avocação, previsto na CLT da década de 1940, que permite ao ministro intervir em processos administrativos já encerrados.
Para os coordenadores, essa retomada representa uma interferência política indevida e ilegal, em desacordo com a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
O grupo afirma que a medida cria uma “terceira instância recursal ilegítima”, enfraquece a Auditoria Fiscal do Trabalho e compromete a segurança jurídica das ações de fiscalização.
Entenda o que a Lista Suja do trabalho
A investigação contra a JBS
A crise teve como estopim uma operação federal realizada no ano passado, que flagrou 10 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma empresa terceirizada contratada para serviços de carga e descarga na unidade da JBS Aves, no Rio Grande do Sul.
Os fiscais encontraram jornadas de até 16 horas, alojamentos sem acesso a água potável e descontos ilegais nos salários, práticas que dificultavam a saída dos trabalhadores, segundo relatório obtido pela Reuters.
Em 6 de agosto, os fiscais decidiram que a JBS era responsável pelas condições de trabalho, por não ter realizado a devida diligência sobre sua contratada.
Normalmente, essa decisão resultaria na inclusão da empresa na lista suja, que impede acesso a determinados financiamentos e pode causar danos reputacionais e financeiros significativos.
A JBS, segundo a própria empresa, emprega cerca de 158 mil pessoas no Brasil e sua divisão Seara, responsável pela unidade avícola, teve receita líquida de US$ 2,2 bilhões entre abril e junho.
Contudo, após essa decisão, a AGU emitiu parecer autorizando o ministro a avocar o processo, citando a relevância econômica da JBS. Na segunda-feira, Marinho retirou o processo para sua própria revisão, conforme documento visto pela agência Reuters.
Repercussão
Em mais de duas décadas de existência da força-tarefa que gerencia a ‘lista suja’, nunca houve uma intervenção ministerial direta nesse tipo de processo, segundo a Reuters.
A medida causou ‘profunda estranheza e preocupação’, segundo nota pública da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho (Agitra).
“A decisão abre um precedente perigoso, permitindo que outras empresas solicitem intervenção política em processos semelhantes”, alertou Livia Miraglia, professora de direito trabalhista da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista à Reuters.
Diante da insegurança jurídica e da perda de prerrogativas, os auditores decidiram deixar seus cargos de coordenação.
A JBS, em comunicado à Reuters, afirmou que suspendeu imediatamente a empreiteira envolvida, rescindiu o contrato e bloqueou a empresa ao tomar conhecimento das alegações. “A companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”, declarou.
Posicionamentos
Ministério do Trabalho
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informa que não recebeu nenhum pedido de entrega de cargos por parte de auditores-fiscais do Trabalho em protesto contra a avocação feita pelo ministro Luiz Marinho em relação a uma unidade da JBS Aves, no Rio Grande do Sul, apontada por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão.
O MTE esclarece que o ministro avocou o processo a pedido da empresa, em conformidade com o artigo 648 da CLT, que trata das avocações. A JBS alega que não foram considerados os recursos apresentados e aponta inconsistências no auto de infração. Diante disso, o ministro exerceu sua prerrogativa legal e encaminhou o processo à Consultoria Jurídica do Ministério, responsável por avaliar juridicamente as alegações.
Cabe destacar que a avocação é um instrumento previsto em lei, não possui caráter inédito ou exclusivo e tampouco se fundamenta no porte da empresa. Trata-se da análise, pela autoridade competente, de atos administrativos sob sua responsabilidade, com a prerrogativa legal de revê-los.
O MTE reafirma seu compromisso com a transparência, a legalidade e a atuação firme no combate ao trabalho em condições análogas à escravidão, sempre em defesa do trabalho decente e da proteção dos direitos trabalhistas.
Ministério Público do Trabalho
O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) ajuizou na Vara do Trabalho de Soledade uma ação civil pública (ACP) contra a empresa JBS Aves, buscando responsabilizá-la como tomadora e beneficiária de trabalho análogo à escravidão na cadeia produtiva da empresa. A ação decorre do resgate de dez trabalhadores em Arvorezinha, ocorrido em dezembro de 2024, que estavam submetidos a condições indignas de trabalho por uma empresa terceirizada que presta serviços com exclusividade ao frigorífico da JBS em Passo Fundo. O resgate foi realizado durante operações fiscais conjuntas entre o MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
JBS
A Seara imediatamente encerrou o contrato e bloqueou a terceirizada assim que tomou conhecimento das denúncias.
A Seara tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos. Todos os fornecedores estão submetidos ao nossos Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia.
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