Banco suíço UBS também enfrentou dilema envolvendo sanções Magnitsky.
Getty Images via BBC
A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que empresas podem ser punidas no Brasil caso apliquem sanções contra o ministro Alexandre de Moraes seguindo determinação do governo de Donald Trump provocou um debate entre bancos no Brasil sobre como se deve agir diante de medidas impostas por dois países diferentes.
Os bancos estrangeiros que atuam no Brasil precisam acatar as sanções impostas pelo governo americano? Ou devem seguir a ordem da Justiça brasileira de não impor sanções?
📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça
Se os bancos descumprirem a ordem do governo americano, poderão ser punidos nos EUA. Mas se seguirem as sanções exigidas pelos americanos, estarão desrespeitando a ordem da Justiça brasileira e poderão ser punidos no país.
Esse dilema já foi enfrentado por bancos em diferentes países como na Bulgária, onde um banco não vem aplicando sanções Magnitsky contra um político local.
Na Bulgária, políticos oposicionistas estão buscando medidas internacionais contra o Bulgarian National Bank (BNB) que não estaria adotando medidas contra o político e oligarca Delyan Peevski, que foi sancionado pela Lei Magnitsky nos EUA e no Reino Unido.
O banco alega que leis locais não permitem que ele adote as sanções exigidas pelos países estrangeiros.
Mas o caso de maior destaque aconteceu na Suíça este ano envolvendo os bancos multinacionais UBS e Credit Suisse (que atualmente pertence ao UBS).
O UBS também atua no Brasil e potencialmente pode vir a enfrentar no país dilemas semelhantes sobre qual determinação legal seguir.
O ASSUNTO: O que bancos têm a perder com a ‘sinuca de bico’ criada pela Lei Magnitsky e pela decisão de Dino
Entenda o que é a Lei Magnitsky
Bancos suíços
Os bancos suíços são famosos por sua longa tradição de sigilo bancário rigoroso — o que historicamente atraiu grandes fortunas para o país, transformando o setor bancário em uma das principais atividades econômicas da Suíça.
Essa tradição também desperta críticas internacionais à Suíça — que é acusada por grupos anticorrupção de dar amparo a fortunas ilegais.
Em 2011, a Procuradoria nacional da Suíça deu início a uma longa investigação sobre um esquema de lavagem de dinheiro que envolveu mais de US$ 230 milhões de dinheiro supostamente fraudulento da Rússia distribuído por diversos países.
O esquema foi denunciado pelo advogado Sergei Magnitsky, que hoje dá o nome à lei americana que está sendo usada pelo governo Trump contra Alexandre de Moraes. Por causa da denúncia, Magnitsky foi preso na Rússia em 2008. Ele morreu na prisão no ano seguinte.
Em 2021, a procuradoria da Suíça encerrou as investigações sobre as ramificações do esquema russo no país e arquivou o processo por falta de provas.
Ao longo dos dez anos de investigações, a Justiça da Suíça congelou cerca de 18 milhões de francos suíços (R$ 122 milhões) de três cidadãos russos nos bancos UBS e Credit Suisse.
A Justiça determinou que apenas 4 milhões de francos suíços (R$ 27 milhões) seriam confiscados por irregularidades — e que os demais 14 milhões (R$ 95 milhões) seriam devolvidos aos russos.
Ao longo desse período, os cidadãos russos foram enquadrados pelos EUA na lei global Magnitsky — a mesma usada contra Moraes agora.
A lei estabelece proibição de viagem aos EUA, congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo penalizado.
Eles também foram enquadrados em leis semelhantes vigentes no Reino Unido, Canadá e Austrália.
Em 2022, o caso foi para a Suprema Corte da Suíça. Quem entrou com o recurso foi a Hermitage Capital — o fundo de investimentos para o qual Sergei Magnitsky trabalhava quando descobriu a fraude russa e foi preso.
O fundo alegava que os russos estavam sancionados pela Lei Magnitsky, e que devolver o dinheiro a eles seria uma violação de regras internacionais.
A Hermitage Capital foi fundada pelo banqueiro brasileiro Edmond Safra e o executivo britânico Bill Browder.
Browder é CEO do fundo e já foi o maior investidor estrangeiro na Rússia até 2005, quando foi proibido de entrar no país e incluído na lista negra do governo russo como uma “ameaça à segurança nacional”.
Bill Browder fez campanha pela aprovação da Lei Magnitsky nos EUA.
Getty Images via BBC
Desde então ele e o Hermitage Capital fazem ativismo político contra corrupção. Browder liderou a campanha que levou à aprovação da lei Magnitsky nos EUA em 2012, durante o governo de Barack Obama.
Em janeiro deste ano, a Suprema Corte da Suíça negou o recurso da Hermitage Capital — alegando que a empresa não era parte interessada no caso, e portanto não teria direito de contestar a decisão. Com isso, os cidadãos russos sancionados pela Magnitsky teriam o direito de reaver seu dinheiro, já que não foram sequer acusados formalmente.
Os bancos suíços se viram então diante do dilema que agora se apresenta no Brasil: seguir a decisão da Justiça suíça ou correr o risco de serem punidos nos EUA, Reino Unido e Canadá por não obedecerem às sanções Magnitsky?
“A decisão levanta várias questões, incluindo se ela coloca os bancos suíços em violação ao direito internacional. Os três indivíduos russos estão sujeitos a sanções sob a Lei Magnitsky”, escreveu o site suíço swissinfo.ch.
“Isso significa que os bancos suíços precisam avaliar cuidadosamente os riscos de uma potencial violação das sanções americanas.”
Browder está levando a briga para instâncias internacionais. Ele escreveu um e-mail para o CEO do UBS pedindo que o banco não devolvesse o dinheiro aos cidadãos russos.
E pretende trabalhar com uma agência americana independente (a Helsinki Comission) para impor sanções Magnitsky contra autoridades suíças que estariam permitindo que os três cidadãos russos retomem seus fundos.
Em entrevista à BBC News Brasil no mês passado, Browder criticou o uso da Lei Magnitsky americana — que ele ajudou a aprovar — contra Alexandre de Moraes pelo governo Trump.
“A Lei Magnitsky foi estabelecida para impor sanções a graves violadores dos direitos humanos e pessoas que são culpadas de cleptocracia em larga escala”, disse ele à BBC News Brasil..
“Ela não foi criada para ser usada para vinganças políticas. O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada.”
O UBS não informou o que foi feito com os fundos russos. No começo do ano, o banco emitiu um comunicado no qual dizia que cumpriria todas as regras às quais está sujeito — sem especificar exatamente o que seria feito.
A BBC News Brasil entrou em contato com o UBS na Suíça perguntando o que foi feito pelo banco — se o dinheiro foi devolvido aos cidadãos russos ou não — mas o banco não se manifestou até a publicação desta reportagem.
A decisão de Dino
Decisão de Flavio Dino possibilita que empresas que adotem sanções Magnitsky sejam punidas no Brasil.
Getty Images via BBC
Na decisão proferida na segunda-feira (18/08), o ministro do STF Flavio Dino proíbe a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.
Isso inclui a Lei Magnitsky que é usada pelo governo Trump para retaliar Moraes devido a sua atuação no processo criminal que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no STF.
Horas após a decisão de Dino, o Departamento de Estado dos EUA publicou na rede social X que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”.
Há três consequências principais para quem é colocado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky: proibição de viagem aos EUA, congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo penalizado.
Em tese, isso impediria Moraes de usar, por exemplo, cartões de crédito de bandeiras americanas, ou de ter contas e investimentos em bancos que atuem no mercado americano. Mas especialistas não sabem dizer exatamente quais os limites das sanções a Moraes.
A decisão de Dino acrescentou ainda maior insegurança — com queda na bolsa brasileiras no começo da semana.
Bancos estrangeiros no Brasil precisam obedecer sanções americanas como a lei Magnitsky?
