Ambipar: entenda como a empresa passou de queridinha do ESG para à beira da falência
A Ambipar, conhecida por sua atuação em gestão de resíduos e ações ligadas à sustentabilidade, entrou com pedido de recuperação judicial nesta segunda-feira (20).
A medida, que busca evitar a falência e dar fôlego para a renegociação de dívidas, marca o ponto mais crítico da trajetória da empresa. A companhia, antes destaque no mercado, agora enfrenta desconfiança de investidores, perda de credibilidade e forte desvalorização na Bolsa.
Entenda nesta reportagem como a Ambipar, que já foi referência em sustentabilidade, mergulhou em uma crise que derrubou suas ações, causou prejuízo a investidores e culminou no pedido de recuperação judicial.
A história da Ambipar
Fundado em 1995 pelo empresário Tércio Borlenghi Neto, o Grupo Ambipar surgiu como uma empresa brasileira voltada para soluções ambientais. Ao longo de quase três décadas, transformou-se em uma multinacional presente em 41 países e cinco continentes, com mais de 23 mil funcionários.
Em 2019, a empresa passou por um processo de mudança e de reestruturação societária, o que consolidou suas operações em duas áreas principais: Ambipar Environmental, especializada na gestão e valorização de resíduos, e a Ambipar Response, com o atendimento emergencial de acidentes químicos e ambientais.
Na prática, a companhia, trata e reaproveita o lixo, separando, reciclando e transformando resíduos em novos materiais ou energia sempre que possível, seguindo o conceito de economia circular.
Em julho de 2020, A Ambipar estreou na Bolsa de valores brasileira, a B3, tornando-se a primeira empresa de gestão ambiental a ser listada no país.
A oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) registrou forte demanda, com pedidos que superaram em 10 vezes a quantidade de papéis disponíveis. Um ano depois, as ações chegaram a valorizar 50%, consolidando a companhia como uma das favoritas dos investidores.
A entrada da Ambipar na B3 coincidiu com um período em que o compromisso das empresas com questões ambientais ganhava destaque.
Na época, a pauta ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) também estava em alta no Brasil e no mundo, impulsionada pela pandemia de coronavírus — que aumentou a pressão por práticas sustentáveis e responsabilidade corporativa.
Expansão acelerada
O Grupo Ambipar
Divulgação
No ano seguinte à estreia de sucesso na bolsa brasileira, a Ambipar investiu R$ 1,5 bilhão para comprar 22 empresas. O portfólio do grupo já contava com outras 10 companhias, adquiridas entre 2011 e 2019 — entre elas, a brasileira SOS Cotec, a chilena Suatrans e a britânica Braemar Response.
A expansão internacional se intensificou entre 2020 e 2022, com aquisições estratégicas na América do Norte, Europa e Canadá. Em 2022, comprou a Witt O’Brien’s, empresa norte-americana de resposta a emergências ambientais, por US$ 161,5 milhões, fortalecendo sua presença na América do Norte.
No Reino Unido, adquiriu a Enviroclear, especializada em atendimento emergencial e serviços industriais. No Brasil, comprou a Ecológica Resíduos, reforçando sua presença na região Nordeste.
Contudo, a estratégia da Ambipar — de crescer rapidamente, sem se preocupar com lucro ou caixa —, se mostrou insustentável ao longo dos anos seguintes.
Assim, embora a empresa tenha feito esforços para entrar em vários novos mercados, os negócios não se expandiram de forma eficiente, resultando em grandes prejuízos nos últimos anos, segundo Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellance.
“Foram 40 aquisições em menos de cinco anos em um setor com margem de lucro muito baixa e pouco atrativo”, afirma.
Além disso, a empresa sofreu com a flutuação cambial, já que parte de suas dívidas eram em dólar. Com a valorização da moeda, os valores a pagar aumentaram, gerando perdas financeiras e pressionando o caixa — fatores que contribuíram para a crise e o pedido de recuperação judicial.
Disputa com a Deutsche Bank e dívidas bilionárias
A crise financeira da Ambipar se intensificou no segundo semestre de 2025, após uma série de eventos que abalaram a confiança do mercado e comprometeram sua saúde financeira.
O problema teve início com uma operação financeira complexa realizada pela antiga equipe de finanças, que gerou grandes perdas e elevou os riscos para a companhia.
No final de setembro, a Ambipar conseguiu da Justiça do Rio de Janeiro uma medida cautelar que, entre outras proteções, suspendeu cláusulas contratuais que poderiam acelerar o vencimento de dívidas do grupo e exigir o cumprimento imediato de obrigações relevantes.
Na prática, as medidas evitaram que credores cobrassem todos os pagamentos de uma vez enquanto a empresa tentava se reorganizar financeiramente.
O pedido de proteção por parte da Ambipar foi motivado por uma operação de crédito da companhia com o Deutsche Bank, que exigiu garantias adicionais e consumiu rapidamente um valor elevado do caixa da empresa.
No pedido, mencionado no despacho que concedeu a tutela cautelar, a companhia citou riscos de cláusulas de vencimento cruzado (cross-default) que poderiam gerar um rombo de R$10 bilhões e levar à insolvência imediata do grupo.
🔎Cláusulas de vencimento cruzado são regras estabelecidas em contratos de dívida que fazem uma obrigação vencer antecipadamente se outra dívida do mesmo devedor não for paga ou entrar em atraso.
Desde que obteve a primeira medida cautelar — confirmada após recurso do Deutsche Bank —, as ações da Ambipar acumularam, até a véspera, um tombo de 93%, em meio a especulações sobre o risco de uma eventual recuperação judicial da companhia. Em um ano, os papéis já caíram 95,67%.
Mais tarde, a saída repentina do diretor financeiro da companhia, João Arruda, levantou suspeitas de irregularidades e piorou a crise de gestão, que começou a aparecer nos resultados da empresa.
No segundo trimestre de 2025, a Ambipar voltou a registrar prejuízo, repetindo o desempenho negativo do primeiro trimestre. Segundo o balanço financeiro, o prejuízo foi de R$ 134,1 milhões, revertendo o lucro de R$ 45,5 milhões obtido no mesmo período do ano anterior.
A crise dos COEs e saída da B3
Nas últimas semanas, a Ambipar enfrentou uma série de reveses. Entre eles, a B3 anunciou a retirada das ações da empresa de nove índices da bolsa, e a companhia perdeu o selo de ações verdes, devido a preocupações com sua governança e situação financeira.
Ao mesmo tempo, investidores que aplicaram em Certificados de Operações Estruturadas (COEs) ligados à companhia viram seu dinheiro praticamente desaparecer.
Esses COEs, distribuídos por corretoras como XP e BTG Pactual, prometiam retornos elevados e aparente proteção do capital. Na prática, porém, expuseram os investidores a riscos pouco conhecidos.
“O que parecia ser uma alternativa de ‘renda fixa com retorno turbinado’ acabou se mostrando um produto de risco elevado”, explica Raphael Cordeiro, CIO da Zelen Family Office. “Esses COEs eram ‘de valor nominal em risco’, ou seja, sem garantia de devolução do principal.”
Segundo o especialista, os investidores desses produtos enfrentavam dois riscos: o do banco emissor e o do ativo da Ambipar, que entrou em colapso.
“Quando há um evento de crédito, como falência ou moratória, o COE pode ser liquidado antecipadamente e o investidor recebe apenas o ‘valor de recuperação’ de mercado — no caso da Ambipar, cerca de 7% do valor investido.”
O planejador financeiro Jeff Patzlaff reforça que os COEs têm gatilhos que encerram o investimento antes do prazo caso a empresa vinculada enfrente problemas financeiros.
“Se o mercado estiver vendendo esses títulos a preços muito baixos, o investidor recebe uma fração pequena do que aplicou”, explica. Foi o que aconteceu: quem comprou COEs da Ambipar recuperou apenas 6,88% do valor investido.
Para o CEO da Excellance, Max Mustrangi, a Ambipar cometeu diversos erros de gestão que agora colocam em risco a continuidade da empresa. “Todos esses fatores podem implodir e levar a Ambipar à falência já nos próximos meses”, analisa Max.
Ambipar: entenda como a empresa ambiental passou de queridinha do ESG para à beira da falência
