Oliver Stucker analisa EUA zerarem tarifaço sobre produto do Brasil
Após diversas rodadas de negociação entre representantes dos governos brasileiro e norte-americano, o presidente Donald Trump anunciou na quinta-feira (20) a retirada da tarifa adicional de 40% aplicada a 238 produtos brasileiros.
Para o governo brasileiro, a decisão resulta tanto de uma reavaliação interna da medida, por parte dos Estados Unidos, quanto do diálogo entre os dois países.
Do lado do governo Trump, um dos fatores que pesaram foi a inflação para o consumidor norte-americano, decorrente da taxação de produtos como café e carne.
Reuniões diplomáticas
Nos últimos meses, houve encontros formais — como as reuniões entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado americano, Marco Rubio — e também conversas de bastidor, reveladas apenas após terem ocorrido.
Internamente, Mauro Vieira é visto como peça central para ter viabilizado o encontro entre Lula e Trump, que abriu caminho para as negociações. Ao longo do período mais tenso da disputa comercial, o chanceler dialogou com interlocutores diretos de Trump, entre eles Marco Rubio (secretário de Estado), Jamieson Greer (assessor especial de Trump) e Richard Grenell (diplomata) — todos com acesso frequente ao presidente e capacidade real de influenciar decisões na Casa Branca.
Em março, quando surgiram as primeiras sobretaxas sobre aço e alumínio, Lula orientou Mauro Vieira e o vice-presidente Geraldo Alckmin a reforçarem o diálogo com autoridades americanas. Com o anúncio da tarifa extra de 10%, a ordem foi intensificar as conversas. Naquele período, eles se reuniram com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e com o representante comercial da Casa Branca, Jamieson Greer.
As reuniões tinham dois objetivos: apresentar dados da balança comercial — favorável aos Estados Unidos — e demonstrar que, nos últimos 15 anos, os americanos acumularam superávit de US$ 410 bilhões no comércio de bens e serviços com o Brasil. A expectativa era de que esses números pudessem destravar um acordo, o que não ocorreu.
Ao todo, foram sete rodadas virtuais de negociação e uma presencial, com a ida do então secretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Maurício Lyrio, a Washington. Mas o cenário mudou quando Trump publicou uma carta endereçada a Lula anunciando a tarifa adicional de 40% e relacionando o tema a questões políticas, como a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A avaliação em Brasília foi de que não havia mais espaço para negociação, já que nenhum interlocutor de Trump estava autorizado a tratar de comércio, e o governo brasileiro não discutiria o caso Bolsonaro.
Encontro com Rubio
Mauro Vieira fala sobre reunião com Marco Rubio
Nesse contexto, Mauro Vieira aproveitou uma viagem a Nova York — onde participaria de uma cúpula sobre a Palestina — para sinalizar à Casa Branca que poderia ir a Washington, caso alguma autoridade aceitasse recebê-lo. A reunião com Marco Rubio acabou confirmada apenas depois de realizada, por receio de que uma divulgação prévia levasse setores conservadores americanos a pressionar por seu cancelamento — como já havia ocorrido com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em encontro cancelado pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent.
No encontro, Mauro Vieira apresentou novamente dados do comércio bilateral e reiterou que o processo contra Bolsonaro seguiria o rito judicial normal, sem interferência do Executivo. Mesmo assim, as conversas seguintes mostraram pouca abertura real para negociação. O governo brasileiro fez chegar, em reservado, que não aceitaria discutir qualquer tipo de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal.
Com a condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, houve nova mudança de tom em diálogos informais, sugerindo que poderia existir margem para uma negociação comercial caso fosse aberta uma conversa formal.
‘Química’ entre Trump e Lula
Em setembro, pouco antes de Lula embarcar para Nova York — para participar da Assembleia da ONU — Mauro Vieira se deslocou ao Rio de Janeiro e se reuniu com Richard Grenell, enviado de Trump para missões especiais.
Foi discutido um cenário hipotético: como cada presidente reagiria caso se encontrassem na ONU. Grenell disse que Trump não seria indelicado; Mauro Vieira disse o mesmo sobre Lula. Esse encontro é considerado o “sinal verde” para que as equipes tentassem criar a oportunidade.
No dia seguinte, às vésperas da Assembleia Geral da ONU, Grenell também conversou discretamente com Celso Amorim, assessor especial de Lula, e ambos concluíram que os presidentes estavam abertos a um cumprimento informal. Assim foi feito.
No dia da abertura da Assembleia, Trump permaneceu em um ponto específico por onde Lula poderia passar; Lula, por sua vez, foi informado de que o americano poderia estar ali. “Na hora H, o Trump decidiu ficar onde o Lula poderia sair, e o Lula saiu por onde o Trump poderia estar. A partir daí, o processo acelerou”, disse um integrante do governo.
Esse encontro breve é descrito como crucial. A partir dali, os dois presidentes autorizaram seus assessores a negociar um diálogo direto. A questão deixou de ser “se” haveria conversa e passou a ser “como”: presencial ou virtual. Optou-se por um telefonema, focado exclusivamente na agenda comercial, sem tratar de Bolsonaro.
Lula e Trump na Malásia
Trump diz que abraçou Lula e que tiveram ótima química
Com a avaliação positiva da conversa, autorizou-se um encontro presencial, realizado na Malásia, durante reunião de países asiáticos. A partir desse momento, afirmam os interlocutores brasileiros, as tratativas passaram a fluir entre diplomatas brasileiros, a embaixada em Washington e autoridades americanas. Foi nesse contexto que Rubio, Greer e Lutnick passaram a discutir, de fato, uma saída comercial.
Já havia sinais de que os EUA poderiam rever unilateralmente a tarifa de 40%, mas não se sabia como. Nesta semana, Trump anunciou a remoção de parte das tarifas adicionais.
O governo brasileiro avalia que um possível encontro entre Lula e Trump em Washington ainda depende de novas negociações.
Papel de Alckmin
Integrantes do governo também destacam o papel do vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin.
De perfil mais discreto, ele esteve com auxiliares de Trump ao menos cinco vezes antes da conversa entre os presidentes, em outubro.
Em julho, quando o tarifaço foi anunciado, encontrou-se duas vezes com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e teve reuniões com representantes de big techs. O diálogo continuou ao longo dos meses, servindo, segundo fontes, para “medir o pulso”, manter o canal político aberto e preparar o terreno para a aproximação entre Lula e Trump.
Reuniões diplomáticas, ‘química’ entre Lula e Trump, ação de Vieira e Alckmin: as negociações para derrubada do tarifaço
