Quanto custa conter o aquecimento global e quem banca sustentabilidade no campo

Financiamento climático: quem banca o agro sustentável
O preço para conter o aquecimento global é gigantesco: US$ 8 trilhões por ano, até 2035. Este é o valor que o mundo precisa para impedir que a temperatura do planeta aumente mais de 1,5 °C até lá.
Ele leva em consideração o investimento necessário para produzir alimentos de forma mais sustentável, recuperar florestas, criar fontes de energia limpa e uma série de outras ações para reduzir a emissão de gases poluentes à atmosfera.
➡️Esta reportagem faz parte do quinto episódio da série “PF: Prato do Futuro”, onde o g1 mostra soluções para desafios da produção de alimentos no Brasil.
O valor foi calculado pelo Grupo de Especialistas Independentes de Alto Nível em Financiamento Climático, da London School of Economics. Ele foi apresentado na Conferência do Clima da ONU (COP) de 2024, no Azerbaijão.
Agora, o tema do financiamento climático volta à mesa de debates da COP 30, em Belém, e um dos grandes desafios é como os países vão conseguir esses trilhões.
Enquanto isso não é definido, o Brasil já vem criando os seus próprios caminhos. No campo, o investimento em práticas agropecuárias sustentáveis tem sido impulsionado, em grande parte, pelo crédito rural — ou seja, por empréstimos bancários.
E um dos grandes desafios é fazer com que esse dinheiro consiga chegar a pequenos produtores e comunidades tradicionais.
O g1 foi à Bahia e ao Rio Grande do Sul para mostrar dois exemplos onde essas barreiras foram superadas.
Na reportagem a seguir, saiba mais sobre:
quanto as nações estão dispostas a pagar;
quem financia a agricultura sustentável no Brasil;
as barreiras que pequenos produtores enfrentam;
qual é a participação da filantropia e dos fundos climáticos.
Quanto as nações estão dispostas a pagar
Os especialistas da London School não têm um cálculo sobre o quanto o Brasil precisa para fazer a transição climática, mas eles estimam que nações emergentes e em desenvolvimento vão precisar, juntas, de cerca de US$ 3,5 trilhões por ano, até 2035.
Uma das discussões mais antigas das Conferências do Clima é como países ricos, como Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, vão ajudar os mais pobres a cumprir metas de despoluição.
Isso porque eles são considerados “devedores climáticos” por terem se industrializado primeiro e enriquecido a partir do uso intensivo de combustíveis poluentes, como carvão e petróleo.
💵Um dos acordos firmados após a COP 2024 é que os países ricos direcionem, pelo menos, US$ 300 bilhões para as nações em desenvolvimento, até 2035.
No mesmo período, todos os países devem fazer um esforço para que esse volume chegue a US$ 1,3 trilhão, explica o sócio-diretor da Agroicone, Rodrigo Lima, que participa dos debates de financiamento nas conferências da ONU.
Ele ressalta que há um consenso entre as lideranças mundiais de que esse dinheiro não virá apenas de doações, mas, principalmente, de empréstimos.
“A grande discussão agora é como esses recursos vão chegar aos países com juros menores que os praticados no mercado”, diz Paulo Camuri, gerente de Ciências do Clima do Imaflora.
Um exemplo dessa tendência do financiamento climático é so Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), proposto pelo Brasil, que pretende usar um modelo de investimento de renda fixa para gerar recursos destinados à conservação de florestas tropicais (entenda aqui).
Quem financia agricultura sustentável no Brasil
Enquanto o mundo ainda discute como vai financiar as nações em desenvolvimento, dados da ONG Climate Policy Initiative (CPI) mostram que o Brasil tem bancado a maior parte das ações climáticas voltadas para o uso da terra, ou seja, na agropecuária sustentável e na preservação de florestas (veja os números abaixo).
“Na ausência de uma ação climática global mais contundente, grande parte do investimento acaba acontecendo a nível nacional. Isso mostra que o mundo não tem conseguido criar estruturas adequadas para atacar a crise climática”, diz Juliano Assunção, diretor-executivo da CPI.
O relatório da ONG também detalha os dados por tipo de instrumento financeiro. Nele, o crédito rural aparece como a principal fonte dos recursos, respondendo por 58% do total.
O que mostra que a maior parte do financiamento climático voltado ao uso da terra no Brasil tem sido bancada por empréstimos contratados por produtores rurais.
Esse dinheiro tem sido direcionado para técnicas de baixo carbono – como plantio direto, integração de lavoura-pecuária-floresta, agroecologia, agrofloresta –, além de recuperação de pastagens degradadas.
Brasil ainda tem pouco crédito para sustentabilidade 🌱
Hoje é o governo federal quem define a quantidade de dinheiro e os tipos de empréstimos voltados para os produtores rurais. Essas informações são atualizadas todos os anos por meio do Plano Safra.
Ele tem algumas linhas diretamente voltadas para agropecuária sustentável, como o RenovAgro, que, por muitos anos, foi chamado de Plano ABC.
Tem também modalidades específicas dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – que atende pequenos produtores – como o Pronaf Floresta, Bioeconomia e Agroecologia.
No entanto, alguns estudos mostram que essas linhas representam pouco dentro de todo o crédito rural liberado no Brasil.
Um levantamento da consultoria Agroicone aponta que os empréstimos contratados para investimentos em sustentabilidade chegaram a R$ 69,2 bilhões na safra 2024/25, o que representou apenas 23,2% de todo o crédito rural liberado no período.
Gustavo Lobo, pesquisador da consultoria, explica que esse valor inclui tanto os empréstimos direcionados para práticas de baixo carbono, como outros que não têm esse objetivo, mas que foram aplicados neste fim. A consultoria rastreou os dados pelo Banco Central.
As barreiras que pequenos produtores enfrentam
Um dos maiores desafios para destravar o financiamento climático no Brasil é ampliar o acesso ao crédito para pequenos produtores e comunidades tradicionais.
“A maior parte do crédito rural ainda não chega aos pequenos produtores, extrativistas, pescadores, quilombolas e povos indígenas — justamente os que mais cuidam dos territórios e produzem com base na sociobiodiversidade”, afirma a diretora-executiva do Fundo Casa Socioambiental, Cristina Orpheo.
As linhas do Pronaf, que atende esse público, têm juros menores que os empréstimos convencionais, mas respondem por 17% do crédito subvencionado pelo governo federal. O restante vai para médios e grandes produtores, segundo dados do Banco Central.
Travas para acessar os bancos 💰
Além de menos recursos, os pequenos também esbarram na própria indisposição dos bancos, diz Paulo Camuri, do Imaflora.
“Os bancos, em geral, priorizam grandes projetos, como aqueles que envolvem empréstimos de R$ 200 milhões, onde o custo para ele ir lá na propriedade verificar como o dinheiro está sendo usado vai compensar para ele”, exemplifica Camuri.
“[Os agricultores] brincam que você chega no banco, só tem um cardápio: que é boi, palanque e cerca”, diz Moises Savian, secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do MDA.
Mas existem ainda barreiras bem anteriores à ida ao banco.
Isso porque muitos pequenos produtores não sabem nem mesmo o que é crédito rural ou não têm nem conta bancária ou documentos básicos, como RG ou CPF, conta Fabíola Zerbine, diretora-executiva do Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus).
A ONG tem, inclusive, uma iniciativa chamada CredAmbiental que ajuda agricultores familiares e povos tradicionais a acessarem o Pronaf.
➡️O projeto treina moradores das próprias comunidades para se tornarem “ativadores de crédito”, ou seja, pessoas que entendem das regras de financiamento, que reúnem documentos, negociam com os bancos e elaboram projetos sobre como o dinheiro será usado e devolvido.
O g1 foi conhecer de perto a iniciativa em uma comunidade indígena Tupinambá, em Ilhéus (BA), que conseguiu acessar o Pronaf Floresta para cultivar cacau e reflorestar a Mata Atlântica.
Indígenas da aldeia Tupinambá do Acuípe de Cima, em Ilhéus (BA), com ativadores de crédito e assistência técnica.
Rafael Peixoto / g1
O projeto também dá suporte a comunidades sobre o uso consciente do dinheiro, o que tem dado resultado. Segundo Zerbini, 98% das pessoas que participam do CredAmbiental estão em dia com os empréstimos.
“A gente não quer que o crédito seja um fator de endividamento. Ele precisa ser um fator de empoderamento”, diz Zerbini.
O que vem da filantropia e de fundos climáticos
A diretora-executiva do Fundo Casa Socioambiental, Cristina Orpheo, afirma que o crédito rural é importante, “mas ele tem limites quando se fala em inclusão e justiça socioambiental”.
Para ela, é muito importante que povos tradicionais e pequenos produtores recebam mais investimentos diretos, que não exijam reembolso, como doações e incentivos públicos e privados.
“Isso é importante para que eles possam construir uma capacidade mínima de produção, de gestão, para depois, mais estruturados e confiantes, entrarem em um financiamento”, diz Orpheo.
Dados da Climate Policy Initiative mostram que a filantropia representa cerca de 0,06% das fontes de financiamento climático em agropecuária e florestas.
O Fundo Casa Socioambiental capta, por exemplo, recursos de fora do Brasil, principalmente de fundações filantrópicas, para investir em projetos de sustentabilidade.
“O ideal seria combinar esses dois mecanismos financeiros: crédito acessível, sim, mas também recursos diretos, flexíveis e de longo prazo”, acrescenta.
Alguns fundos climáticos também oferecem recursos que não exigem devolução para projetos de sustentabilidade. Hoje, eles representam cerca de 0,2% de todo o financiamento para o uso da terra.
Um exemplo é o Fundo Amazônia, do governo federal, que capta doações para investimentos não reembolsáveis no combate ao desmatamento e à conservação da Amazônia Legal, e que também tem apoiado projetos que envolvem a produção de alimentos de comunidades tradicionais.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia foi paralisado em 2019. E a sua retomada, em 2023, foi um dos fatores que contribuiu para a queda do desmatamento no bioma este ano.
O governo também tem o Fundo Clima, que foi criado em 2009, com o objetivo de financiar projetos de mitigação e adaptação climática.
➡️As ações de mitigação têm o objetivo de reduzir emissões de gases poluentes, enquanto as de adaptação, de preparar territórios para extremos climáticos, como secas e enchentes.
No entanto, menos de 1% do Fundo Clima é formado por recursos não reembolsáveis, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), consolidados pelo Observatório do Clima.
Esse dinheiro, que gira em torno de R$ 4,5 milhões, é gerido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Já o restante dos recursos, que correspondem a R$ 24 bilhões, são administrados pelo BNDES e direcionados para empréstimos. A maior parte vai para a indústria (57%) e infraestrutura (38%), e o restante para o comércio (4%) e a agropecuária (1%).
As empresas de grande e médio porte recebem 98% desses empréstimos.

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