Loja Natura
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O plano parecia perfeito. Depois de se firmar como uma das maiores empresas de cosméticos e perfumes do Brasil, a Natura decidiu expandir internacionalmente.
Em 2012, deu o primeiro passo ao adquirir a marca australiana Aesop. Cinco anos depois, foi além: comprou a britânica The Body Shop. A “joia da coroa” foi a aquisição de uma de suas principais concorrentes na venda direta, a Avon, em 2019.
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Nesta quinta-feira (19), o sonho de se tornar uma gigante global chegou ao fim, com um desfecho já previsto (e até desejado) pelo mercado. A Natura se desfez de quase todas as marcas adquiridas e anunciou a venda da Avon International por um valor simbólico de £1 (cerca de R$ 7).
Procurada para comentar o último passo dessa trajetória e seus planos futuros, com foco na América Latina, a Natura não concedeu entrevista.
O g1, então, reconstituíu os principais capítulos da história e ouviu analistas para entender o que funcionou — e, principalmente, o que não deu certo — na ambição da empresa de se tornar um gigante global da beleza.
O que motivou a Natura a investir em aquisições internacionais?
Ao expandir sua atuação além do Brasil, a Natura tinha um objetivo claro: ganhar escala, diversificar mercados e se consolidar entre os maiores grupos de beleza do mundo.
Fundada em 1969 pelo economista e empresário Luiz Seabra, a companhia já dominava o mercado nacional e buscava marcas consolidadas no exterior para expandir suas operações.
“A Natura já tinha uma posição forte no Brasil e na América Latina, mas queria se tornar uma multinacional de beleza”, explica Caroline Sanchez, analista da Levante Inside Corp.
“Essas aquisições abriram portas em países onde a companhia ainda não atuava, deram acesso imediato a canais de venda estruturados e ampliaram o portfólio.”
Em 2012, a empresa adquiriu 65% da australiana Aesop, fundada em 1987 pelo cabeleireiro Dennis Paphitis. Inicialmente, a marca produzia no próprio salão fórmulas à base de óleos essenciais que conquistaram os clientes.
Quatro anos depois, a Natura adquiriu os 35% restantes, assumindo o controle total da Aesop. Sob sua gestão, a marca expandiu-se rapidamente, chegando a 29 países e mais de 400 pontos de venda.
O sucesso da primeira aquisição incentivou a Natura a intensificar sua ofensiva internacional no ano seguinte. Dessa vez, a empresa comprou uma marca ainda maior: a britânica The Body Shop, por cerca de 1 bilhão de euros (R$ 3,6 bilhões na época).
A aquisição foi considerada um passo decisivo para consolidar a Natura como um grupo global. Porém, o movimento mais ambicioso ocorreria dois anos depois: em 2019, foi anunciada a fusão com a americana Avon, avaliada em US$ 2 bilhões.
Uma empresa brasileira comprava uma companhia americana centenária e, ao mesmo tempo, uma de suas principais concorrentes.
A aquisição histórica da Avon
Concluída em 2020, a aquisição da Avon representou uma estratégia ousada da Natura, evidenciando sua intenção de competir com grandes players globais, como a L’Oréal.
Além disso, a Avon possuía uma ampla rede de consultoras e uma reputação consolidada, que a Natura via como complemento ao seu modelo de vendas diretas.
Com a operação, a Natura tornou-se a holding Natura&Co, reunindo quatro grandes marcas, presentes em mais de 100 países, com faturamento anual superior a US$ 10 bilhões (algo como R$ 53 bilhões na cotação atual).
O negócio consolidou a Natura como o quarto maior grupo de beleza do mundo, ficando atrás apenas de L’Oréal, Estée Lauder e Shiseido.
Mas os problemas não demoraram a surgir. “Os resultados das aquisições ambiciosas não apareceram na velocidade e intensidade esperadas”, afirma Marcos Pelozato, advogado e especialista em reestruturação empresarial.
“Mesmo com a expansão internacional, a empresa passou a lidar com uma estrutura complexa, dívidas elevadas e lucro baixo. O desafio era integrar culturas diferentes, redesenhar processos e gerar sinergias em marcas que já enfrentavam dificuldades”, explica.
O especialista destaca ainda que a pandemia de Covid-19 afetou fortemente o setor de cosméticos e perfumes, acelerando mudanças no consumo e na digitalização, enquanto a companhia enfrentava queda de receitas e aumento do endividamento.
A solução foi iniciar um processo de simplificação, vendendo ativos internacionais e concentrando-se na América Latina.
A primeira a ser vendida foi a Aesop, por US$ 2,5 bilhões em 2023;
Em seguida, foi a The Body Shop, negociada no mesmo ano por US$ 254 milhões.
“A Natura administrava um conglomerado global heterogêneo, com marcas em diferentes estágios de maturidade, culturas distintas e atuação em várias geografias. Isso elevou custos, consumiu caixa e manteve o endividamento em níveis altos, sem retorno proporcional”, afirma Caroline Sanchez.
A trajetória internacional da Natura &Co
Arte/g1
Segundo analistas, o principal erro na expansão internacional da Natura foi o preço elevado pago pelas aquisições, pois o mercado estava em um ciclo de valorização. Em outras palavras, a empresa pagou mais do que seria considerado justo na época.
“A Aesop, por exemplo, foi um grande sucesso e acabou vendida para a L’Oréal por mais de US$ 2 bilhões. Já a The Body Shop, que custou caro, foi vendida por muito menos e ainda entrou em recuperação judicial no Reino Unido”, disse Guilherme Áthia, consultor em governança e assuntos públicos.
Restava lidar com a operação deficitária da Avon fora da América Latina. “Com o tempo, a marca perdeu força, não acompanhou as mudanças no consumo e se tornou cara de manter”, afirma Áthia.
Todos os relatórios de analistas reconheciam o esforço da Natura em reorganizar suas operações, mas alertavam que, sem a venda ou o encerramento da operação internacional da Avon, a redução de endividamento não seria alcançada.
Um ano depois, esse momento chegou. Na quinta-feira, a Natura confirmou a venda para a Regent, e a reação foi imediata: as ações subiram mais de 15%, refletindo o alívio dos investidores, que viam o encerramento do antigo projeto de transformar a empresa em uma “L’Oréal tropical”.
Além de se livrar dos prejuízos, a Natura poderá receber até £60 milhões (aproximadamente R$ 430 milhões na cotação atual) em pagamentos adicionais condicionados ao desempenho futuro da empresa (earn-outs), segundo comunicado da companhia.
O fechamento da transação ainda depende de aprovações regulatórias, mas está previsto para o primeiro trimestre de 2026. A transação não abrange as operações da Avon na América Latina e na Rússia.
Segundo analistas, a venda da Avon International consolida a mudança estratégica: a Natura decidiu se tornar mais enxuta, concentrando-se na América Latina, onde suas marcas têm maior penetração e vantagem competitiva.
“A operação por um valor simbólico mostra que o objetivo não era arrecadar recursos imediatos, mas se desfazer de um ativo deficitário, reduzir riscos e destravar valor para os acionistas”, analisa Marcos Pelozato.
Entre a aquisição da Avon, em 2019, e o anúncio da venda da companhia no Reino Unido, passaram-se apenas seis anos — um período curto que evidencia a rapidez do “vaivém” na estratégia global da Natura.
Para os analistas, o desafio daqui para frente será consolidar o novo posicionamento, aumentar a rentabilidade e reconquistar a confiança dos investidores, já refletida na valorização das ações após o anúncio.
“Hoje, a Natura ainda colhe os efeitos negativos dessas decisões e precisa reorganizar a estrutura. Mas, nesse processo, vem fazendo um bom trabalho. Acreditamos que o futuro tende a ser positivo e estável, com marcas fortes como Natura e Avon Latam, que continuam operando bem”, afirma o analista da Ativa.
Para o mercado, a venda da Avon International representa um passo importante: a empresa sai de um ciclo de queima de caixa e passa a oferecer uma trajetória mais clara e previsível aos investidores.
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