O governo do presidente Donald Trump pediu à Suprema Corte dos EUA, na quinta-feira, que o autorizasse a prosseguir com a demissão da governadora do Federal Reserve, Lisa Cook — uma medida sem precedentes desde a fundação do banco central em 1913 — em uma batalha judicial que ameaça a independência do Fed.
O Departamento de Justiça pediu aos juízes que suspendessem a ordem da juíza distrital Jia Cobb, de 9 de setembro, que bloqueou temporariamente o presidente republicano de remover Cook, indicada pelo ex-presidente democrata Joe Biden. Cobb decidiu que as alegações de Trump de que Cook cometeu fraude hipotecária antes de assumir o cargo — o que ela nega — provavelmente não constituem fundamento legal suficiente para sua remoção segundo a lei que criou o Fed.
“Esta petição envolve mais um caso de interferência judicial imprópria na autoridade de destituição do presidente — aqui, interferência na autoridade do presidente de remover membros do Conselho de Governadores do Federal Reserve por justa causa”, afirmou o Departamento de Justiça no processo.
Cook participou da aguardada reunião de dois dias do Fed em Washington, na terça e quarta-feira, na qual o banco central decidiu cortar as taxas de juros em um quarto de ponto percentual, em resposta a preocupações com a fraqueza do mercado de trabalho. Cook esteve entre os que votaram a favor do corte anunciado na quarta-feira.
O Tribunal de Apelações dos EUA para o Distrito de Columbia, em uma decisão por 2 a 1 na segunda-feira, negou o pedido da administração Trump de suspender a ordem de Cobb. Na terça-feira, o governo afirmou que pediria à Suprema Corte que interviesse.
“O presidente removeu Lisa Cook legalmente, por justa causa. O governo vai recorrer desta decisão e espera uma vitória final sobre o tema”, disse o porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, na terça-feira.
O Congresso incluiu disposições na lei que criou o Fed para blindar o banco central de interferência política. Pela lei, governadores do Fed só podem ser removidos por um presidente “por justa causa”, embora o termo não seja definido nem haja procedimentos claros de remoção. Nenhum presidente jamais removeu um governador do Fed, e a lei nunca foi testada nos tribunais.
Cook, a primeira mulher negra a servir como governadora do Fed, processou Trump em agosto, depois que ele anunciou que a demitiria. Ela argumentou que as alegações feitas por Trump não conferiam autoridade legal para sua remoção e eram um pretexto para afastá-la devido à sua posição em relação à política monetária.
A tentativa de Trump de demitir Cook reflete a visão ampla de poder presidencial que ele tem defendido desde que voltou à Casa Branca em janeiro. Seu governo sustenta que o presidente tem ampla discricionariedade para determinar quando é necessário remover um governador do Fed e que os tribunais não têm poder para revisar tais decisões.
As preocupações com a independência do Fed em relação ao presidente na definição da política monetária podem ter efeitos em cadeia sobre a economia global.
A disputa judicial envolvendo Cook tem implicações para a capacidade do Fed de definir taxas de juros sem considerar os desejos de políticos, algo amplamente visto como essencial para que qualquer banco central funcione de forma independente e consiga cumprir tarefas como manter a inflação sob controle.
Este ano, Trump exigiu que o Fed cortasse agressivamente os juros, criticando duramente o presidente do banco, Jerome Powell, por sua condução da política monetária em meio ao combate à inflação. Trump já chamou Powell de “cabeça-dura”, “incompetente” e “idiota teimoso”.
O governo pediu repetidamente à Suprema Corte neste ano que interviesse para permitir a implementação de políticas de Trump barradas por tribunais inferiores. A Suprema Corte, que tem maioria conservadora de 6 a 3, tem se posicionado a favor do governo em quase todos os casos que analisou.
Por exemplo, a Suprema Corte permitiu que Trump prosseguisse com a destituição de diversos dirigentes de agências federais estabelecidas pelo Congresso para funcionarem de forma independente do controle presidencial direto.
Mas, em uma decisão de maio, em um caso envolvendo a demissão de dois membros democratas de conselhos trabalhistas federais, o tribunal sinalizou que considera o Fed diferente de outras agências do Executivo. A Suprema Corte afirmou que o Fed “é uma entidade quase privada, com uma estrutura única e tradição histórica singular.”
Em 25 de agosto, Trump anunciou que removeria Cook do Conselho de Governadores do Fed, citando alegações de que, antes de ingressar no banco central em 2022, ela teria falsificado documentos para obter condições mais favoráveis em uma hipoteca.
Ao bloquear a demissão, a juíza concluiu que a “melhor interpretação” da lei de 1913 é a de que ela só permite a remoção de um governador do Fed por má conduta cometida durante o mandato. As acusações de fraude hipotecária contra Cook dizem respeito a ações anteriores à sua confirmação pelo Senado em 2022.
Um painel dividido de três juízes do Tribunal de Apelações do D.C. decidiu na segunda-feira em favor de Cook, concluindo que ela provavelmente prevalecerá na alegação de que foi privada do devido processo legal, em violação à Quinta Emenda da Constituição dos EUA.
Os juízes Bradley Garcia e J. Michelle Childs, ambos indicados por Biden, formaram a maioria. O juiz Gregory Katsas, indicado por Trump, discordou.
“Perante este tribunal, o governo não contesta que não forneceu a Cook qualquer notificação significativa ou oportunidade de responder às alegações contra ela”, escreveu Garcia em uma opinião acompanhada por Childs.
Trump e seu indicado William Pulte, diretor da Agência Federal de Financiamento da Habitação, alegaram que Cook descreveu de forma incorreta três propriedades distintas em solicitações de hipoteca, o que poderia ter permitido a ela obter taxas de juros mais baixas e créditos fiscais.
O Departamento de Justiça de Trump também abriu uma investigação criminal de fraude hipotecária contra Cook, emitindo intimações de júri federal tanto na Geórgia quanto em Michigan, segundo documentos vistos pela Reuters e uma fonte próxima ao caso.
Uma estimativa de empréstimo para uma casa em Atlanta comprada por Cook mostra que ela havia declarado a propriedade como “casa de veraneio”, de acordo com um documento revisado pela Reuters — informação que aparentemente enfraquece as acusações contra ela.